A iniciativa do DC Rebirth não veio à toa. Ela foi o resultado de um laboratório feito com os leitores (testando títulos como Lois & Clark e Titans Hunt que resgatavam, de uma forma ou de outra, elementos da antiga continuidade da DC) e também da opinião pública, refletida nas redes sociais ou na vendagem dos títulos em publicação na época.
Inédita no Brasil até o momento, essa fase editorial remodelou vários conceitos vigentes nos quadrinhos, recuperando o que deu certo em outras épocas e, ao mesmo tempo, mantendo o que funcionava do universo dos Novos 52. Foi feita também uma “dança das cadeiras” entre as equipes criativas, rejuvenescendo as histórias que poderiam ser contadas. E isso foi um sucesso.
Entre os mais de trinta títulos em publicação, existem títulos bons, títulos ruins e Aquaman. Sim, o cara que fala com os peixes. E pode ser importante ressaltar que eu não sou fã do personagem. Gosto um pouco de Arthur Curry, o híbrido com um pesado fardo sobre si. Mas nunca do Aquaman, o super-herói. Até porque não acredito que ele seja de fato um super-herói, embora todo o seu arquétipo seja construído ao redor disso.
Aquaman talvez se trate de uma história de heróis e vilões, mas também é uma história de reis, maridos e homens, além do que qualquer outro gibi sonharia em ser. E se para cada soco trocado existe uma discussão diplomática sobre ética ou tratados e fronteiras, tudo é graças aos diálogos brilhantemente conduzidos por Abnett que dá nesse título em especial um show à parte.
Na trama, o principal tema é a tentativa de Arthur em intermediar uma conexão pacífica entre o mundo da superfície e seu povo, os Atlantes. O ceticismo entre os dois povos de que essa ligação possa ser proveitosa – presente seja nos políticos americanos determinados a desconfiar dos Atlantes, seja nas falas irônicas de Mera a respeito disso – traz alguns paralelos políticos interessantes com o que vemos na atualidade sobre soberania de fronteiras e imigrantes.
Abnett traz uma profundidade (sem trocadilhos) ao personagem, tornando tanto sua vida quanto suas motivações mais complexas. Arthur tenta manter seu heroísmo e humildade enquanto o peso da coroa pode acabar obrigando-o a tomar decisões parciais, em prol de seu povo. É tocante assistir o esforço de um herói capaz de se machucar mais com uma injustiça do que com o arpão do seu maior inimigo cravado em seu ombro.
Com o rodízio de desenhistas entre Scot Eaton, Brad Walker e Philippe Briones (todos excepcionalmente talentosos) dando vida aos fantásticos roteiros que Dan Abnett entrega, Aquaman enquanto uma história multi-temática e repleta de uma invejável pluralidade cultural promete se firmar como uma das mais incríveis e surpreendentes fases do personagem, restando ao leitor permitir se deliciar com os segredos que se escondem nas profundezas desse título.