Clair Obscur: Expedition 33 e a escolha entre superar o luto ou viver na Matrix

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Em Clair Obscur: Expedition 33, os jogadores não apenas enfrentam criaturas bizarras, batalhas estilizadas e dilemas existenciais, mas também se deparam com uma escolha narrativa profunda: encarar a dor da realidade ou permanecer em uma ilusão reconfortante.

O desfecho do RPG francês mistura arte, memória e identidade para nos fazer ponderar: é melhor superar o luto ou viver eternamente em uma realidade fabricada?

No texto abaixo, que obviamente contém spoilers pesados da história, iremos refletir sobre as opções que o jogo nos oferece e as consequências que cada escolha traz.

Uma história de perda, fuga e recriação

Clair Obscur

Tudo começa com a trágica morte de Verso Dessendre, um jovem dotado da habilidade de criar mundos através da pintura. Após o acidente que tirou sua vida real, sua mãe Aline mergulha em um processo de negação tão poderoso que se transforma na Paintress, reconstruindo sua família dentro de um universo alternativo — o Canvas — onde Verso ainda está vivo, ao lado de cópias idealizadas de seu pai Renoir, suas irmãs Clea e Alicia, e de toda a cidade de Lumière.

Verso, nesta realidade pintada, acredita ser real. Ele forma amizades, vive aventuras, amadurece… até descobrir a verdade: ele é apenas um eco do verdadeiro Verso, uma lembrança viva aprisionada na tinta de sua mãe. Com essa revelação, ele rejeita sua imortalidade e decide destruir o Canvas para libertar sua mãe, a si mesmo e os demais habitantes dessa farsa emocional.

Maelle: uma segunda chance ou mais uma prisão?

É nesse contexto que surge Maelle, a protagonista de Expedition 33. Rejeitada no mundo real após o incêndio que matou o verdadeiro Verso e a deixou com cicatrizes e sem voz, Alicia Dessendre (sua identidade real) é recriada dentro do Canvas como Maelle. Lá, ela encontra amor, amizade e um propósito que nunca teve fora daquele mundo.

Ao longo da jornada, Maelle reconstrói laços, revive perdas e, ao fim, recupera suas memórias. Mas em vez de seguir com sua identidade real, ela escolhe continuar como Maelle — um símbolo de liberdade, mesmo que artificial.

Quando enfim se depara com a possibilidade de encerrar a farsa e libertar Verso e os demais, o jogo apresenta sua escolha final: destruir o mundo pintado em respeito à verdade de Verso, ou restaurá-lo para que Maelle continue vivendo sua felicidade construída.

“A ignorância é uma benção”

Clair Obscur: Expedition 33

A frase dita por Cypher em Matrix nunca foi tão pertinente: “A ignorância é uma benção.” O dilema vivido por Maelle e Verso em Clair Obscur ecoa diretamente esse sentimento. Cypher, ao preferir um bife suculento na simulação à vida dura no mundo real, representa a mesma dualidade enfrentada por Maelle: o que vale mais, a verdade dolorosa ou a ilusão feliz?

A comparação também se estende à série WandaVision, na qual a Feiticeira Escarlate cria uma realidade alternativa onde pode viver uma vida perfeita com sua família, ignorando o luto e as consequências do mundo real. Assim como Wanda, Aline também se refugia na criação, e Alicia, agora Maelle, é confrontada com o mesmo dilema de sua mãe: reconstruir a dor ou se esconder no conforto do irreal?

Uma escolha sem resposta certa

Clair Obscur

No fim, Clair Obscur: Expedition 33 não oferece uma resposta universal. Escolher destruir o Canvas é reconhecer a dor, dar adeus a uma mentira e permitir que todos — inclusive Verso — sigam em frente. Já restaurar Lumière é uma forma de preservar uma felicidade conquistada por Maelle, mesmo que isso vá contra o desejo de libertação do próprio Verso.

É um dilema profundamente humano, que transcende o jogo e dialoga com a realidade de quem já perdeu alguém. Em um mundo de simulações, lutos e escapismos digitais, Clair Obscur nos convida a perguntar: a que custo mantemos nossas fantasias vivas? E será que, ao fazer isso, não estamos também nos tornando os pintores de nossas próprias prisões?