[CRÍTICA] Abraço de Mãe | Horror cósmico e traumas não resolvidos

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O terror brasileiro tem ganhado força nos últimos anos, e Abraço de Mãe é um marco nessa trajetória. Dirigido pelo argentino Cristian Ponce, o filme se destaca por sua ousadia narrativa e visual, explorando os cantos mais sombrios do gênero com uma profundidade raramente vista no cinema nacional. Com uma mistura de horror psicológico, elementos sobrenaturais e uma forte carga emocional, o longa é protagonizado pela sempre brilhante Marjorie Estiano, que mais uma vez entrega uma performance digna de aplausos.

Um espelho entre o caos externo e o interno

Ana cumprimentando o Reynaldo Machado em Abraço de Mãe

Abraço de Mãe é ambientado em meio à devastadora tempestade que assolou o Rio de Janeiro em 1996, o que já estabelece um cenário de tensão e claustrofobia. A personagem principal, Ana (Marjorie Estiano), é uma bombeira que, após uma licença forçada devido a um trauma pessoal e profissional, retorna à ativa para enfrentar não só o caos da cidade, mas também os monstros de seu passado. Ao ser chamada para ajudar a evacuar um asilo à beira do colapso, Ana se depara com mistérios ainda mais profundos e assustadores dentro do prédio, onde os residentes parecem esconder segredos perturbadores.

O filme se desdobra em duas camadas temporais: uma em 1973, quando Ana, ainda criança, sofreu um trauma causado por sua própria mãe, e a segunda, em 1996, onde vemos o reflexo desse passado atormentado afetando diretamente a vida adulta da personagem.

Lovecraft e o horror psicológico

O asilo no qual Ana e sua equipe de bombeiros entram logo se revela mais do que uma simples construção decadente — é um lugar habitado por forças além da compreensão humana, com direito a cultos misteriosos, entidades estranhas e elementos cósmicos que nos remetem diretamente ao universo de H.P. Lovecraft. A mistura entre o horror físico (com criaturas e elementos sobrenaturais) e o psicológico (os traumas e a culpa de Ana) dá um tom de complexidade incomum dentro do gênero.

Além disso, Ponce utiliza o ambiente de forma magistral, fazendo com que ele se torne quase um personagem à parte. A cada passo que acompanhamos da protagonista, a sensação de perigo iminente cresce, e o lugar que deveria ser acolhedor se revela inóspito. Méritos também para a fotografia, que acerta em cheio ao criar uma sensação constante de desconforto de maneira natural.

Uma protagonista de peso no terror nacional

Marjorie Estiano (Sob Pressão) mostra mais uma vez por que é uma das grandes atrizes de sua geração. Trazendo uma performance intensa, sua interpretação de Ana, uma mulher presa entre o dever e seus próprios medos, é ao mesmo tempo sensível e brutal. Ao final da obra, é de se concluir que a escolha da atriz para o papel foi certeira.

Ana não é apenas uma heroína comum de filme de terror; ela carrega uma bagagem emocional intensa, que vai sendo revelada ao longo do filme, e Estiano transita com maestria entre o papel de bombeira destemida e de filha traumatizada.

Pontos fortes e fracos

Um dos grandes pontos positivos de Abraço de Mãe é a forma como ele se ambienta nos anos 90, trazendo alegorias datadas que reforçam essa atmosfera. Há claras influências de John Carpenter na maneira como o filme constrói tensão, além de toques sutis e enigmáticos que lembram o estilo de Jordan Peele. Diferente de muitos filmes da nova geração, Abraço de Mãe não abusa de jumpscares; ao invés disso, ele consegue criar um suspense sólido e envolvente, que realmente deixa o espectador com medo, apostando mais na construção lenta e eficaz da tensão do que em sustos baratos.

No entanto, o filme sofre por não conseguir definir uma vertente clara. Ele tenta explorar várias frentes — do suspense ao terror psicológico, passando pelo horror cósmico —, mas acaba se perdendo ao não se comprometer totalmente com nenhuma delas. Em vez de aprofundar um único caminho, Abraço de Mãe tenta estar em várias áreas ao mesmo tempo, o que pode deixar a narrativa um pouco dispersa e confusa.

Conclusão

Abraço de Mãe é uma ótima adição ao cinema de terror brasileiro. Cristian Ponce mostra maturidade e criatividade ao trazer uma trama que, ao mesmo tempo em que homenageia clássicos do gênero, como o horror cósmico de Lovecraft, traz um toque único e culturalmente brasileiro. Marjorie Estiano brilha como protagonista, ancorando o filme com uma performance envolvente e emocionalmente carregada.