[CRÍTICA] Coringa | Quando a ganância arruína a arte

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No último mês, não tem se falado sobre outra coisa a não ser o filme solo do Coringa estrelado por Joaquin Phoenix. Enquanto o longa cativou grande parte da crítica especializada e se tornou um dos favoritos ao Oscar 2020, a produção acabou se envolvendo por uma série de polêmicas por conta de sua trama, que pode acabar inspirando homens solitários e que propagam discurso de ódio, os ditos Incel.

Com a estreia cada vez mais próxima, o temor de possíveis ataques terroristas como o que aconteceu em Aurora, Colorado, durante uma sessão de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge também aumentam.

Ao assistir o filme, entendi bem tais temores e até consegui entender o motivo pelo qual tanta gente ligou o movimento Incel à trama. No longa, acompanhamos a história de Arthur Fleck, um homem que possui problemas mentais e que vive uma vida sofrida, mas que apesar das adversidades, sonha em poder levar alegria para as pessoas, algo que sua mãe sempre lhe disse ser seu propósito na vida.

Desde o começo, sabíamos que Coringa não seria um filme convencional baseado em quadrinhos, algo que ficou bem claro através das declarações do diretor Todd Phillips, sem falar na aversão de Phoenix em estrelar um filme desse tipo, algo no qual ele se recusou a fazer por anos.

Para que Coringa funcionasse nos termos estabelecidos por Phoenix, o diretor e o roteirista Scott Silver tiveram de se desdobrar para que essa fosse uma história totalmente original, mas o grande problema é que eles batizaram o filme com o nome de um dos maiores vilões dos quadrinhos, usando como muleta a popularidade do personagem para chamar a atenção de seus fãs.

Sendo assim, os roteiristas tiveram de encontrar uma forma de atender aos caprichos de Phoenix e ainda assim dar um propósito para o uso da persona do Coringa. Infelizmente, a solução encontrada acaba sendo extremamente insatisfatória e, de certa forma, uma piada de mau gosto.

Embora nos quadrinhos o Coringa não tenha uma origem definitiva, o filme se aproveita de alguns elementos canônicos presentes em histórias como A Piada Mortal e O Cavaleiro das Trevas para compor uma origem própria, mas ele precisa fazer com que tudo funcione sem um Batman, algo que é extremamente controverso, ainda mais quando levamos em conta de que um Coringa não existiria sem um Batman, de acordo com a própria Piada Mortal.

Tudo fica ainda mais bizarro quando o filme tenta mostrar o Coringa como o pivô da existência do Batman e ligar os eventos da trama à família Wayne. Considerando todas as referências que a trama faz ao universo do Batman, fica difícil ignorar que esse filme não adapta os quadrinhos ou que ele é algo independente, porém a solução encontrada para fazer com que ele funcione acaba ficando muito aquém do que os fãs esperavam.

Apesar de todos os problemas narrativos em relação aos quadrinhos, o filme em si acaba sendo simplesmente perfeito, tanto em termos narrativos, quanto por sua composição visual, trilha sonora e, principalmente, as atuações.

Mesmo com um elenco compacto, todos os personagens funcionam perfeitamente bem e Joaquin Phoenix é simplesmente um maestro que rege todos os que estão ao seu redor. Fica nítido o quanto o ator se entregou de corpo e alma para o projeto, entregando o que talvez seja a melhor atuação de toda a sua carreira.

O ator brinca com nossas emoções a todo o momento e nos deixa apreensivos por ficarmos esperando o momento em que ele irá explodir e cometer um genocídio.

Apesar de toda a empatia que a trama tenta criar para com o personagem, detalhando que existe uma explicação por trás de toda a loucura dele, ela deve ser analisada com cautela, afinal, vemos ali uma glamorização da violência, quando um homem com problemas mentais falha em ser um comediante de sucesso e se torna um ídolo ao começar a cometer assassinatos.

Não podemos negar que Phillips e Silver encontraram soluções impecáveis para mostrar os distúrbios mentais de Arthur, algo que Phoenix conseguiu traduzir através de sua atuação impecável, nos levando a crer que ele estava realmente insano. Em alguns momentos, é realmente possível ver alguns lampejos do Coringa dos quadrinhos em Phoenix, mas fica nítido que o ator não queria mergulhar muito nisso e se força a seguir por um outro caminho.

O design de produção feito por Mark Friedberg é excepcional, nos mergulhando profundamente na atmosfera oitentista em que a trama se passa, além de criar uma Gotham que remete bastante aos quadrinhos. Tudo se complementa com o tratamento de cores e os enquadramentos de Lawrence Sher, que balanceia bem as cenas intimistas e angustiantes com os momentos mais extravagantes e dinâmicos.

A trilha sonora tem um papel fundamental nesse filme e o trabalho de Hildur Guðnadóttir, não decepciona. A compositora coloca toda a sua experiência em prática e traduz todos os sentimentos do personagem com uma trilha que mescla músicas conhecidas com composições autorais.

No fim das contas, Coringa é um filme extramente bem-produzido, com um elenco excelente e que com certeza foi feito para garfar o maior número de premiações possível, mas que acaba tentando se destacar através da popularidade dos filmes baseados em histórias em quadrinhos. Em um mundo onde os Universos Cinematográficos são uma tendência e que filmes de quadrinhos isolados se tornam algo cada vez menos relevantes, a DC talvez devesse concentrar seus esforços em expandir ainda mais seu rico universo e não em entregar um filme cult disfarçado.

Apesar de tudo, o filme ainda pode acabar rendendo frutos e, até mesmo, se conectar com o vindouro filme do Batman de Robert Pattinson – e caso isso aconteça, a conversa muda e e ele pode acabar se tornando ainda mais incrível do que já é.