O Universo Cinematográfico da Marvel começou de forma “tímida”. Ainda que estivesse se baseando em histórias fantásticas dos quadrinhos de super-heróis, os filmes tentavam adaptar esses personagens e seus arcos de forma mais “realista”, tentando dar uma explicação científica para os eventos, esticando a lógica na medida do possível e oferecendo um fundo mais verossímil à ambientação.
Felizmente, à medida que os anos se passavam e novos longas e personagens chegavam, esse toco básico em que a Marvel amarrava seu bode foi ficando mais gasto e o bode finalmente fugiu de vez para um mundo fantasioso.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura degringola sem dó tudo que estava estabelecido no UCM. Se antes tínhamos um bilionário voando por aí em uma armadura de metal, agora temos viagens interdimensionais, magia, monstros e muita coisa maluca. E é até bizarro de se pensar que tudo isso mudou tanto em pouco mais de uma década.
O novo Doutor Estranho conta inclusive com uma das mentes mais versáteis quando se trata de coisa esquisita: Sam Raimi. Celebrado pela franquia Evil Dead e a trilogia do Homem-Aranha com Tobey Maguire, Raimi cai de paraquedas em um universo estabelecido, cheio de fatos já criados e definidos, mas parece não se importar muito com a maioria deles e em dar seu toque de mágica macabra por ali.
Raimi guia o segundo filme solo do mago e qualquer um que acompanhe o trabalho do diretor percebe seu jeitão e sua identidade, ao mesmo tempo que é possível notar que houve um respeito ao que já estava dado como certo anteriormente, criando uma mistura da famosa Fórmula Marvel com seus trejeitos criativos característicos, resultando na quimera que é este filme, que pode ser considerado como uma das poucas produções autorais dentro do UCM.
Os personagens são bem aproveitados e a mitologia não fica atrás, mas existe ali um gostinho amargo de que todos poderiam ser melhor trabalhados, assim como todo o resto do filme, que finca o pé em alguns claros fanservices, além de tentativas malsucedidas e mal encaixadas de alívio cômico, somados a um argumento um tanto fraco do roteiro que às vezes se perde em soluções bobas que, embora sejam justificáveis, ficam problemáticas quando se pensa num aspecto geral dos acontecimentos e, principalmente, na lógica das motivações dos personagens dentro daquele contexto.
Aqui, a grandeza do UCM se expande absurdamente quando se pensa na tamanha quantidade de possibilidades. Afinal, uma Terra só já tem muita coisa a ser explorada, agora imagine uma quantidade infinita de Terras, onde possibilidades se divergem e se diferenciam.
A Marvel, com seu multiverso, tem uma mina de ouro nas mãos e sabe bem onde está entrando. O estúdio só precisa abraçar mais essa ideia e de forma mais impactante, entendendo o que isso pode trazer de realmente novo para o mundo que nossos já conhecidos Vingadores vivem. Um exemplo disso é a adição de America Chavez (Xochitl Gomez) e todo seu potencial para o futuro da franquia.
Multiverso da Loucura não é um filme brilhante, está longe disso, assim como também não escorrega a ponto de ser um filme lamentável. Apresentando um visual estonteante, cenas de ação inspiradíssimas e de tirar o fôlego e várias surpresas o conjunto faz com que os pontos que pesam a balança do lado positivo aumentem, o que pode agradar qualquer fã.
Infelizmente, mesmo com tantos pontos positivos, o longa é apenas uma produção boa e forte, que tinha a capacidade clara de ter sido bem melhor e mais ousado, visto que o tal “bode criativo” já está solto no pasto há um tempinho.