Heather Antos, editora da Marvel, só queria tirar uma foto com as amigas – que também trabalham na Marvel – enquanto elas tomavam milkshake. Antos não contava com a onda de odiadores que invadiria seu Twitter para puni-la pelo crime inaceitável de ser uma mulher trabalhando com quadrinhos, com insultos como “ falsas geeks ”.
Zazie Beetz cometeu um “crime” similar. Se dispôs a interpretar uma linda mercenária de pontaria singular, sem papas na língua, com poderes mutantes de sorte e uma marca no olho que a deixa muito parecida com uma peça de dominó. Só existe um “problema”: Zazie é negra. E, para uma boa parcela dos fãs de quadrinhos, esse é o pior dos crimes.
Não é como se esses fossem os únicos exemplos. Mas quando ambos ocorrem no espaço de um dia e meio, fica algo a se considerar: o que o mundo nerd está se tornando?
Beetz interpretará a personagem Dominó em Deadpool 2, uma franquia que não é lá muito fã do cânone dos quadrinhos (ou da própria cronologia): Das origens do Deadpool até a caracterização da Negasonic ou da Vanessa, Deadpool é um filme que se afasta o tanto quanto pode dos seus quadrinhos de base. Contudo, é extremamente elogiado, assim como o Wolverine de Hugh Jackman, cuja contraparte nos quadrinhos é conhecida por ser extremamente baixa, mas é representada por um ator alto.
Então, a “fidelidade” extrema é realmente um ponto chave a se considerar?
Caso seja, Deadpool 2 ainda não estreou e há grandes chances de que a personagem de Beetz das telonas seja essencialmente equivalente ao que o seu personagem representa nos quadrinhos. E, no final, é isso o que importa.
Mas e se fosse o contrário? E se colocassem um ator branco fazendo o papel de um
negro?
Esse evento é tão recorrente no teatro e no cinema que existem dois termos distintos para isso: blackface e white washing . Enquanto o blackface não se aplica nas adaptações de quadrinhos (amém), não precisamos ir longe para encontrar exemplos de white washing nesse universo. Eles existem no mesmo estúdio, na mesma franquia e, inclusive, no mesmo universo cinematográfico, na forma dos Novos Mutantes.
Um desses casos vive – ou vivia – no nosso quintal, com o mutante brasileiro Roberto da Costa. Roberto também é negro, sendo essa uma das citações que ele ouve em sua primeira aparição nos quadrinhos, ao ser espancado durante um jogo de futebol: “A riqueza do seu pai não pode mudar a sua cor de pele. Você ainda é negro , um animal fingindo ser humano.”
Apagamentos de identidade como esse não só diminuem uma já enxuta representatividade negra nos cinemas e TV, como justificam o fato de precisarmos de mais atores e atrizes negros como Zazie Beetz em papéis de destaque.
Então o white washing também está errado, que seja. Por que não caracterizam cada personagem como ele é e pronto?
Desde que não interfira nas características essenciais do personagem – é impossível existir um Pantera Negra branco, pois sua história é ligada ao seu pano de fundo cultural, por exemplo – deve-se sempre apoiar os atores pelo seu talento no papel e não pela aparência, afinal, o cinema é uma arte que não depende tanto de um visual 100% acurado de outra mídia, desde que a história possa ser contada.
E existem diversos casos do tipo: Em Liga da Justiça (e no próprio seriado The Flash ) não temos um Barry Allen loiro ou particularmente forte, como a sua contraparte nos quadrinhos.
Há muito que se questionar: Heather Antos seria tão atacada se fosse um homem? Zazie Beetz seria criticada se fosse uma Dominó completamente igual em aparência, mas diferente no resto (que é o que importa)? Até que ponto o amor pelas adaptações fieis se confunde com um purismo exacerbado, que chega a esconder discursos de ódio infundados? E, principalmente, quando isso vai mudar?