Uma das magias da cultura pop é saber se conectar com o momento histórico que vivemos; Star Wars e suas referências ao autoritarismo, X-Men falando sobre preconceito e segregação ou em obras em que o preconceito não é tema principal, mas um elemento fundamental da história – como Kamala Khan, a heroína muçulmana de Nova Jersey.
As vezes, essas referências históricas não têm a intenção de conscientizar, mas só de fazer ligação entre a fantasia e a realidade – como a Guerra das Rosas entre Lancasters e Yorks, que acabou inspirando a rivalidade entre Lannisters e Starks nas Crônicas de Gelo e Fogo.
Quando falamos de uma obra de qualidade, pode ter certeza, ela quer te passar uma mensagem e fazer você entender alguma coisa.
Depois de tantos anos de segregação racial, machismo e homofobia, seria pretensioso da nossa parte dizer que obras assim não são necessárias. Elas são, mas não por reparação histórica, mas por mostrar através do entretenimento, que esses problemas estão longe de serem resolvidos. Com base nisso, entrevistamos algumas pessoas que conseguem perfeitamente correlacionar seus cotidianos com tais obras.
Lucas Arão, 23 anos, fala um pouco sobre a importância dessas referências:
“Cara, quando eu era mais novo, me via muito pouco nas obras que eu consumia. Em todas essas obras, o protagonista era caucasiano e de classe média; Uma realidade muito diferente da minha. Conforme fui crescendo, foram entrando no mainstream personagens que eu considero bem mais identificáveis.”
Claro, toda essa mudança comentada pelo entrevistado não vem de forma fácil; Existe muita resistência da comunidade nerd em aceitar esse tipo de coisa – principalmente em adaptações. É só olhar qualquer comentário sobre casting, onde o ator/atriz difere da aparência padrão do personagem, onde encontraremos uma chuva de preconceito. Mesmo que a caracterização faça sentido em relação ao material base.
Lucas comenta sobre isso – e lamenta as reações da comunidade:
“É só falar, por exemplo, sobre o Wolverine ser gay em uma realidade paralela e vai ver a comunidade fãs vir abaixo. As justificativas são as mesmas ‘a adaptação tá ruim’, sendo que eles nem viram o produto final. As portas estão abertas e o meio está cobrando […]. Mulheres de diferentes etnias, trazendo consigo suas diferenças e valores só ajuda a cultura pop se tornar mais diversa. […] O pessoal precisa aprender a dividir o espaço.”
As vezes, essa diferença na adaptação nem vem da comunidade, mas sim de quem produz. Game Of Thrones é a adaptação televisiva de as Crônicas de Gelo e Fogo, e nesse universo temos uma “província” que representa povos não-brancos em Westeros.
Os Dorneses são um povo muito rico culturalmente e são foco do quinto livro (A Dança dos Dragões), além de sua linha sucessória não depender do sexo do herdeiro, foram colonizados por uma mulher e sofrem muito preconceito do resto de Westeros por seu costume e sua etnia.
Isso foi completamente apagado da série, transformando Dorne em um antro de orgias e só. Nem mesmo seu plano ou sua real herdeira (Arianne Martel) foram respeitados, dando lugar para Daenerys e Jon Snow.
Perdemos a oportunidade de conhecer o contraste de culturas que George R.R. Martin propôs quando escreveu e isso sim é muito triste.
Quando falamos de preconceito no mundo nerd, não podemos esquecer a comunidade gamer; Que é composta por inúmeros membros LGBTQ+, que relatam a intolerância da comunidade como um todo e a importância da representatividade.
“Eu não me sinto bem representado, numericamente falando […]. Eu sinto que, de um modo geral, as pessoas públicas têm medo de se posicionar em relação à comunidade LGBTQ+. É muito mais fácil um streamer hétero e branco fazer sucesso sabe? É muito mais difícil pra quem faz parte das letrinhas ter voz. A Samira Close é gay e drag queen e demorou anos pra chegar a 6 mil views – e o trabalho dela é otimo. […]. Eu sinto esperança quando vejo a Samira Close pegar views ou a Queen B estourando por ai. Acho que palavra certa não é “superar” o preconceito, mas sim ver um perspectiva positiva e ver que ainda tem jeito de resolver o preconceito” – David, 19 anos.
Outro problema recorrente enfrentado pela comunidade gamer, é o fato de muitos jogadores simplesmente não aceitarem que existem mulheres que jogam (e muitas vezes, melhor do que eles). Não podemos negar o fato de que as mulheres são marginalizadas entre o público gamer, onde muitas vezes, vemos as garotas sofrendo e tratadas como incapazes.
Além disso, muitos gamers acham que devem seguir uma streamer feminina simplesmente por seus atributos físicos, quando na verdade, muitas delas só querem ser reconhecidas por seu talento e carisma, assim como acontece com inúmeros jogadores famosos do sexo masculino.
Mesmo que já existam streamers, jogadores profissionais, atores, obras e ficções que abordem esses temas, as comunidades precisam se conscientizar em relação a isso. O mundo é diverso e composto por pessoas diferentes, de etnias e orientações sexuais diferentes, por que a cultura pop também não pode dar voz a esse pessoal?
Em suma, a comunidade nerd ainda é muito resistente quando falamos sobre minorias na Cultura POP; Quem não se lembra da chuva de ódio quando foram anunciadas as intérpretes Estelar e Dominó? No fim, as duas foram as melhores coisas de suas respectivas obras. O mais curioso, é que não vimos a mesma resposta negativa quando foi anunciado que Ezra Miller interpretaria Barry Allen, ou que Jason Momoa seria o Aquaman, já que ambos os atores diferem bastante de suas contrapartes nos quadrinhos.
É muito difícil falar de minorias em adaptações, já que esses personagens são de uma época onde ser aceito era quase impossível – Luke Cage surgiu só nos anos 70 e a Mulher-Maravilha era um sex symbol no começo.
Precisamos ser mais abertos e aceitar melhor as mudanças; Afinal, todos merecem ter seu espaço, independizante da cor, gênero ou orientação sexual.