A difícil luta das mulheres para conquistar um espaço no mundo dos videogames

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Julia “Cute” Akemi foi uma das primeiras mulheres a competir em uma liga profissional de League of Legends; jogando contra a ProGaming na SuperLiga, Cute foi suporte pelo time da CNB – por diversos erros técnicos, a CNB perdeu. Porém, durante toda a stream da partida, a única que sofria ofensas era a jogadora.

O nicho feminino nos games sempre foi menor – as propagandas de videogame nos anos 80, na maioria das vezes, retratavam meninos jogando entre si e nunca contra garotas. Acostumadas a terem as tarefas domésticas atribuídas à elas desde cedo, não existia muito tempo para se dedicar aos videogames, ou qualquer outro tipo de hobbie.

A estagiária Vanessa Tavares (22), conversa um pouco sobre isso.

“A menina ela tem aquela situação com a família ‘como assim a minha filha não tá ajudando dentro de casa e tá jogando?’ enquanto o cara, você permite ele não saber lavar uma louça […]. As pessoas ainda enxergam o jogo como algo irresponsável.”

Segundo a Pesquisa Game Brasil 2017, o público feminino vem crescendo fortemente desde de 2013, atingindo 53% contra 47% do público masculino – sendo que 60% delas preferem jogos de computador e 40% preferem consoles.

Mesmo assim, não estamos livres da desigualdade. O time feminino Vaevetics eSports sofreu um reflexo desse preconceito; competindo em um line up profissional, as garotas precisaram ouvir piadinhas e desrespeitos durante o jogo. O caso gerou um burburinho na internet e levantou a questão: estamos preparados para ver mulheres competindo profissionalmente?

Muitas argumentam: os meninos não estão acostumados com sua presença. A jogadora de League of Legends, Manuelle Barbosa (21), relata um pouco da sua experiência.

“No LoL, foi onde mais rolou comigo a rejeição pelo nick feminino e já cheguei a receber linkado nudes no chat – de uma pessoa que eu tinha recém adicionado. Mas apesar de tudo eu sempre tento interagir. Fiz muitos amigos lá”

A falta de incentivo e o preconceito costuma afastar as meninas dos jogos – mesmo que essa situação venha mudando de forma gradativa. Isso reflete no cenário competitivo: nós não temos garotas sendo incentivadas, logo, não temos ninguém nos representando em times profissionais.

“É muito difícil saber que, mesmo se eu conseguir alguma coisa, eu vou ter que me provar duas vezes melhor” – Vanessa Tavares.

Lógico, existem as exceções, como a pAIN Gaming e seu time feminino de CS:GO. Elas são as únicas representantes brasileiras no Intel Challenge Katowice 2019. As garotas deram um show em sua última partida, conseguindo uma vaga para o mundial feminino – competindo por um prêmio de US$ 50 mil.

As meninas conquistam seu espaço aos poucos, e mesmo assim, muitas ainda relatam que não são levadas a sério pelos companheiros de time, até mesmo em jogos amadores ou casuais. Parece algo que ficou no passado, mas é comum que jogadoras em posições altas ainda sejam questionadas, como se tivessem chegado lá por causa de amigos e namorados.

“O cara começou a falar altas […] do outro time, que não ia perder para mulher não, porque mulher era muito ruim e não tinha nem que estar jogando mid.” – Lara Loures, jogadora de League of Legends.

Claro, todas essas situações só são reflexo do machismo estrutural que existe na sociedade. As meninas foram excluídas do universo nerd por muito tempo, e a própria indústria ainda está se ajustando às suas preferencias. Antigamente, era impossível entrar em uma call de CS sem ser assediada ou receber mensagens impróprias – e praticamente não existiam personagens femininas que não eram sexualizadas ou fetichizadas.

Isso leva em conta a construção de personagens, por exemplo a Bayonetta, que tem sua sexualidade inserida dentro da história e faz sentido ali. Porém, na maioria das vezes, as coisas não funcionam assim; as personagens estão semi-nuas por serem mulheres e isso, teoricamente, atrai o público masculino.

Será que vamos conseguir mudar?

A suporte do time MIAWGaming (League of Legends), Marianna “MissedFox”, diz que a situação melhorou muito nos últimos tempos.

“Hoje em dia evoluiu bastante, apesar de tudo […]. Sempre tem os comentários negativos e tal, mesmo sendo um time bem novo […]. Mas sei que muito hate está por vir, até conseguirmos achar nosso lugar no cenário”.

Lara Loures também concorda que o cenário está evoluindo.

“Algumas pessoas e até mesmo empresas passaram a aceitar e até mesmo a defender a nossa permanência sem preconceito nos cenários […]. Tem muita coisa ainda que precisa ser mudada e melhorada, mas isso vem principalmente da cabeça das pessoas.”

Essa mudança deve acontecer também na produção de jogos, já que, cada vez mais, vemos mulheres ocupando cargos importantes nessa indústria que, atualmente, já se mostra muito maior que a do cinema. Cada vez mais jovens, as mulheres buscam seu espaço, como por exemplo a estudante Gabriela Silva (17), que estuda a influência dos jogos no público infanto-juvenil e como podemos usá-los para melhorar o aprendizado das crianças.
Conquistar espaço nunca é fácil, ainda mais em um ambiente outrora dominado por homens, mas elas crescem e persistem, mostrando que não é necessário nada, além de interesse, para ser bom em videogame. E é sempre bom lembrar: a nossa única obrigação aqui, é respeitar.