Afinal, a Marvel vende bem ou não? Entenda o mercado

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“Deixe eu esclarecer, nossos novos heróis não vão a lugar algum!
Estamos orgulhosos e empolgados em continuar introduzindo personagens únicos
que reflitam novas vozes e novas experiências no universo Marvel
e colocá-los ao lado de nossos heróis icônicos.”
– Vice-presidente de vendas da Marvel, David Gabriel

 Dizer que “quadrinhos não vendem” é uma afirmação mais poderosa do que parece. Primeiro porque é verdade. Uma verdade incompleta, mas válida, de certa forma. Quadrinhos não vendem como poderiam – ou deveriam – mas definitivamente vendem. Milhares e milhares de cópias, que caem mais do que aumentam conforme os anos passam, mas milhares ainda são milhares e não milharais.

 A outra imperfeição dessa frase vem da falta de especificidade. Edições únicas, que pertencem a toda uma lógica sistemática que, sinceramente, é mais quebrada e falida do que deveria, não vendem como poderiam, ou deveriam (Estou me repetindo? É parte da mágica). Quadrinhos digitais e edições encadernadas possuem seus próprios resultados, formatos, metodologia e público. E mais, estão crescendo em todos esses aspectos a cada ano, como veremos em outro tópico.

 E o outro traço de poder que a afirmação emite vem do fato dela resumir, de forma inconsciente, mas ainda compatível, o pensamento básico por trás de quem vende quadrinhos para viver: Edições únicas não vendem como poderiam ou deveriam, mas ainda precisamos vendê-las. E isso é um problema.

Entendendo o sistema…

A metodologia de vendas nos Estados Unidos, com os produtos sendo impressos e distribuídos por uma única empresa (a Diamond Comics) para tipos específicos de estabelecimentos (as lojas especializadas), faz com que o consumidor praticamente não influencie o resultado final das vendas.

Por quê? Porque, em lugares como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, os lojistas já precisam comprar os quadrinhos três meses antes do seu real lançamento. E como saber o que vai vender bem ou não com três meses de antecedência? Esse sistema obriga os lojistas a investir em títulos que definitivamente venderão (ou seja, não ache estranho que o Batman sempre esteja no topo dos rankings), para minimizar suas possíveis perdas que virão com cada quadrinho não vendido.

Devido a isso, não faz muita diferença se o quadrinho que chegou nas lojas foi ou não para as mãos de algum leitor, porque o dinheiro já dançou diretamente do lojista para a editora. Três meses antes mesmo do quadrinho estar na loja. O único caso onde os leitores influenciam os números é quando eles participam da decisão de encomendar os quadrinhos através de suas Pull Lists, que são listas criadas junto aos seus lojistas locais para reservar quadrinhos. Ou seja, o leitor também teria que dar esse salto de fé temporal e reservar um quadrinho sem ter visto sequer uma página dele. E nem verá, pelos próximos três meses.

E, como os números de vendas começam a ser considerados pelas editoras desde antes dos títulos terem sequer sua primeira edição devidamente finalizada, é plenamente possível que um título seja cancelado por baixas vendas antes de ter uma única edição chegando nas mãos de qualquer leitor, porque os lojistas decidiram que não podiam ou não queriam apostar seu dinheiro na possibilidade do título vingar e encomendaram poucas cópias.

Isso pode parecer um pouco absurdo, mas acontece de forma similar no Brasil. Você já se perguntou porquê existe tanto material do Batman em comparação com outros heróis? Ou porquê títulos como Moon Girl and Devil Dinosaur, da Marvel e Superman: American Alien, da DC, até hoje não foram trazidos pela editora Panini? Minimizar as apostas é minimizar as perdas. O que também minimiza a diversidade de títulos disponíveis no mercado.

“Criem seus próprios personagens, não mexam no que já existe!”

E é justamente esse sistema que faz a afirmação acima não ser tão simples. Primeiro, eles estão, sim, criando novos personagens. Riri Williams, Miles Morales, Kamala Khan, Sam Alexander e Nadia Pym são exemplos de personagens inteiramente novos criados nos últimos cinco anos. Cada um deles protagoniza seu próprio título e suas presenças nunca eliminaram a importância ou a presença de Tony Stark, Peter Parker, Carol Danvers, Richard Rider e Janet Van Dyne, seus respectivos antecessores/inspiradores/mentores.

Mas, além das razões dadas com maestria nos gibis que levaram cada um desses heróis a assumir um manto já conhecido, o que faz com que eles precisem, mercadologicamente, pegar carona nesses títulos famosos? Ora, o que é mais interessante para um lojista que não quer correr muitos riscos, solicitar o novo quadrinho de “Sam Alexander – O Foguete Humano” ou o novo quadrinho do “Nova”?

Alguém pode argumentar que “se a história de ‘Sam Alexander – O Foguete Humano’ for boa, vai vender.” Talvez vendesse, se fosse distribuída em quantidades e espaços iguais aos que o nome “Nova” pode alcançar. Ou se fosse vendida diretamente para o público. Mas a decisão de comprar ou não as cópias que a editora tem a oferecer desse produto que ninguém nunca viu é uma decisão que pertence majoritariamente aos lojistas.

No primeiro momento, a qualidade do quadrinho não faz diferença, só a sua marca. E criar uma nova marca forte do zero é impossível nesse sistema, já que nenhum quadrinho inteiramente novo, por mais que tenha criatividade e qualidade, vai alcançar um número alto de cópias vendidas. Não porque não possa, mas porque os lojistas nunca arriscariam pedir tantas cópias de uma marca nova, mas arriscariam com uma marca Nova (viram o que eu fiz aqui?).

Isso faz com que a conversa de que “os leitores que pedem diversidade, não compram os quadrinhos” também não seja lá muito válida. Primeiro porque o mercado, como explicado acima, não é convidativo para leitores casuais, uma vez que se baseia em títulos consagrados de base forte e não em novidades, se fechando para novos horizontes. Além disso, para os números gerais, não faz nenhuma diferença se o leitor chegou a comprar ou não o quadrinho, a menos que ele o tenha reservado três meses antes.

Segundo porque existem outras plataformas de distribuição e reprodução de quadrinhos em crescimento, também citadas anteriormente, que são muito mais convidativas para o novo público, mas cujos números ainda não são claros, embora saibamos que são muito fortes.

Como sabemos disso? Simples, de outra forma, como um quadrinho como Ms Marvel, que mês após mês não consegue vender muito mais do que modestas 30 mil cópias de seu título solo, conseguiria popularidade o bastante para garantir uma adaptação para AudioBook, um romance adaptado para jovens adultos, participações destacadas em animações e jogos além de estrelar outras três equipes diferentes de super-heróis nos quadrinhos?

 Criticar a qualidade e a lucratividade de quadrinhos que estrelam minorias quando esses envolvem obras que se fizeram bestsellers da lista do New York Times, top de vendas na Amazon, ou que chegaram a vender mais de 300 mil cópias em uma única edição é a derrocada máxima que o poço do senso comum pode oferecer. Esses quadrinhos não têm mais nada para provar a ninguém. Poderiam vender melhor sob melhores condições? Sim! O que nos leva a…

Então nada é culpa da Marvel?

Gerar o hype e conquistar a fé dos leitores e dos lojistas para garantir que quadrinhos sejam solicitados em grande quantidade mesmo antes de seu lançamento requer estratégias criativas. Eventos e crossovers constantes, numerações reiniciadas por novas iniciativas e a expansão de franquias são algumas das estratégias que outrora deram fôlego ao mercado e permitiram que as vendas alcançassem um patamar numérico interessante.

Como nenhum fôlego dura para sempre, a última reunião da Marvel com alguns dos maiores lojistas dos EUA serviu exatamente para discutir os problemas que a saturação dessas estratégias trouxe e buscar por soluções para o futuro. O mercado de quadrinhos não é, nem está perfeito e o monopólio da distribuição não ajuda muito a melhorar, apesar disso, ainda é a maior fonte de renda na venda de quadrinhos e precisa ser estudada em busca do estado mais equilibrado que se possa encontrar.

Por fim, é notável como a inserção de um novo núcleo de heróis de legado na editora, bem como a valorização de personagens e equipes criativas femininas e/ou de grupos étnicos diferentes da norma, pende na balança da editora muito mais como um sucesso do que o contrário. E, parafraseando o vice-presidente de vendas da Marvel, David Gabriel, assim como o sistema do mercado atual, esses heróis e essa diversidade “não vão a lugar algum”.

Fontes:
Polygon – How to buy comics
Marvel’s problem isn’t diversity, it’s much bigger (and it’s not just Marvel’s problem)
NY Times Paperback Bestsellers Books Nov 2014
NY Times Paperback Bestsellers Books Sept 2015
Mockingbird tops Amazon’s list of bestselling Marvel graphic novels
Marvel’s Champions hits over 400,000 pre-orders
Marvel’s Black Panther #1 sells more than a quarter million copies