Foi há aproximadamente quatro meses que eu ouvi pela primeira vez que o título America – protagonizando, obviamente, a personagem América Chavez – estaria sendo cancelado em breve devido às baixas vendas. Divertidamente o bastante, há aproximadamente o dobro disso eu já ouvia coisas tenebrosas sobre o título.
Divertidamente porque, a despeito das pessoas que acusavam o gibi de ser panfletagem “sjw”, mal-escrito (e desenhado) e queerbaiting – uma palavra que com certeza nem se aplica no contexto usado – eu conseguia achar America uma leitura divertida. Nada excepcional, inovador ou épico, só diversão às custas de non-sense generalizado e frases de efeito levemente embaraçosas com uma personagem que já me interessava desde os Jovens Vingadores de Kieron Gillen.
Também divertidamente porque, mais recentemente ainda, a revista recebeu a sua solicitação para a décima-segunda edição, prevista para fevereiro de 2018, praticamente garantindo o aniversário de um ano de publicação contínua do que não só é o primeiro título solo da personagem, mas o primeiro título solo de uma mulher de cor que não seja hétero. Além de ser escrito por Gabby Rivera, que compartilha dessas características com a personagem.
É óbvio que isso não faz de America o melhor título do mundo, tampouco apaga os defeitos e erros do gibi, ministrado por uma escritora pouco experiente no ramo. Contudo, a proposta da personagem ou do título nunca foi se tornar um carro-chefe da Marvel, mas sim aumentar a diversidade de títulos entre as dezenas que a Marvel publica mensalmente, adicionando mais uma alternativa para o público consumidor.
Mas os “SJW” não compram gibis…
Pessoalmente, eu não enxergo o que faria alguém se preocupar com as vendas e o público de títulos que não lê, mas posso notar que um título de nicho sobreviver ao mercado por (no mínimo) 12 edições é uma conquista, especialmente onde títulos com mais grife já falharam.
Além disso, também é notável que títulos protagonizando minorias ainda caminham para cativar o seu público que, mesmo reduzido, apoia na medida do possível o sucesso dos seus títulos, que vão além das vendas de edições únicas, se estendendo para encadernados e edições digitais. Como já vimos em “A Marvel vende bem ou não?” o crescimento desse público é tímido, mas real.
Nos encadernados, por exemplo, pelas sugestões da Amazon, o público de America costuma ser o mesmo público de Ms. Marvel, Gaviã Arqueira, Pantera Negra, Garota da Lua, entre outros. Todos títulos protagonizados por minorias e quase todos por personagens de legado, representantes de uma nova geração.
E, salvo o intruso Rat Queens, que não é publicado pela Marvel, e “Pantera Negra e a Gangue” e “Mundo de Wakanda”, os spin-offs do título do Pantera que foram cancelados por baixas vendas, todos os outros seis títulos da lista continuam em publicação. Se não são os hits do momento, pelo menos vendem suficientemente bem para sobreviver.
A edição 8 de America, lançada em outubro desse ano, teve cerca de 26 mil cópias solicitadas pelos lojistas. Um número superior ao de títulos como Justiceiro, Action Comics, Novíssimos Guardiões da Galáxia e Batwoman no mesmo mês. Não é exatamente um best-seller, mas sinceramente: quando teve a obrigação de ser?
Não é sobre “lacrar”, “dar um tapa na cara da sociedade” ou fazer o Trump “se cuidar”. É só um título sobre uma heroína que acontece de ser latina e não-hétero. E, como todo o resto no mercado, pode ser comprado e lido por qualquer um e odiado ou amado por qualquer um. No final, é só um título que, contrariando os rumores, a Marvel até agora esqueceu de cancelar. E talvez tenha sido melhor assim.