Anora é um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme – CRÍTICA

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Anora, um dos grandes candidatos ao Oscar de 2025, já acumula prêmios importantes, incluindo a cobiçada Palma de Ouro em Cannes 2024. O filme oferece uma radiografia direta e cáustica do tão celebrado “Sonho Americano” e, ao fazê-lo, nos transporta para uma Nova York suja e marginalizada, sob a lente audaciosa de Sean Baker. Nesta comédia dramática, Baker explora o submundo do capitalismo sem filtros, equilibrando humor ácido e uma brutalidade quase desconcertante.

A Trama

Mikey Madison em cena de Anora

Ani, vivida por Mikey Madison, é uma stripper uzbeque-americana que tenta equilibrar clientes, dívidas e um cotidiano sufocante em um pequeno apartamento em Brighton Beach, enclave russo de Nova York. É nesse cenário que Baker nos apresenta a luta de Ani pela sobrevivência e, quem sabe, por algo que lembre um “felizes para sempre”. Em uma de suas noites no clube, ela conhece Ivan, filho de um oligarca russo (Mark Eydelshteyn). O que começa como uma transação econômica se transforma em uma semana de festas alucinantes e uma proposta de casamento improvável, que promete a tão sonhada estabilidade financeira. Porém, em Anora, os sonhos são tão frágeis quanto as ilusões.

Trabalho Sexual e Divisões Sociais

Baker transforma essa relação em um retrato contundente das divisões sociais e da hipocrisia em torno do trabalho sexual. Ele não romantiza a experiência de Ani, mas a coloca sob uma lente que expõe, sem piedade, o desprezo que frequentemente acompanha o desejo. A narrativa, que se aproxima da tensão de Joias Brutas, nos faz questionar o quanto o trabalho de mulheres marginalizadas só é valorizado enquanto serve aos interesses da elite. Quando os pais de Ivan aparecem para dissolver o casamento, Ani não é vista como pessoa, mas como um obstáculo — uma mancha a ser eliminada.

Uma Performance Intensa de Mikey Madison

Mikey Madison dançando no filme Anora

Mikey Madison entrega uma atuação visceral. Com energia crua, ela domina a tela, comunicando com o olhar aquilo que sua personagem raramente verbaliza: a mistura de cansaço, esperança e resignação de quem já viu todas as promessas desmoronarem. Cada cena carrega o peso da jornada de Ani com uma intensidade genuína, difícil de ignorar. A cena final é um soco emocional, deixando uma vulnerabilidade que persiste mesmo após o fim do filme.

Aspectos Técnicos

A fotografia crua e desbotada, marca registrada de Baker, faz o espectador quase sentir o cheiro de cigarro e o calor opressivo do clube. Aliada a uma edição ágil e uma trilha sonora imersiva, ela cria uma experiência que vai além do cinema: é uma imersão na vida dos esquecidos pelo Sonho Americano.

Conclusão

Ao mergulhar nos dilemas de Ani, o filme questiona o que significa buscar segurança e aceitação em um lugar que reforça constantemente as barreiras entre os que têm tudo e os que vivem de migalhas. Em uma Nova York onde opulência e pobreza coexistem lado a lado, Baker nos obriga a olhar além das aparências e a refletir sobre o quanto também contribuímos para essa dinâmica. A jornada de Ani reflete a de milhares de pessoas que tentam subverter as expectativas de uma sociedade que só as reconhece enquanto permanecem invisíveis, descartando-as ao menor desvio.

O mais devastador em Anora é como ele transforma o Sonho Americano em um jogo de espelhos: enquanto Ani tenta equilibrar sua identidade, suas escolhas e o desejo de pertencer, o filme expõe o custo inevitável dessa busca — uma troca desigual entre o que se aspira e o que se perde. Baker não oferece redenção simplista, mas uma visão honesta e crua do que significa viver à margem de uma utopia que, de tão ilusória, parece inalcançável. Anora deixa em sua esteira uma ferida aberta, um olhar sutil e devastador sobre a luta por um lugar em um mundo que não permite pertencer por completo.