Para comemorar os 50 anos de trabalho do autor, Kiyoshi Nagai, que futuramente viria a ser conhecido como Go Nagai. A série Devilman Crybaby é uma reimaginação do manga criado pelo autor que é considerado como o pai do gênero de robôs gigantes e por projetar os primeiros robôs mecha pilotados por um usuário dentro de um cockpit.

O processo de criação de Devilman foi no minimo curioso, idealizado inicialmente para uma série animada da Toei Animation em 1972, a partir de um esboço de seu trabalho anterior na Kodansha’s Bokura Magazine, Demon Lord Dante, inspirado nas ilustrações de Gustave Doré para a Divina Comedia e utilizando elementos da narrativa do livro em seus trabalhos futuros.

Com sua estreia mundial no último dia 5 de janeiro pela Netflix como uma série original, Crybaby foi dirigido por Masaaki Yuasa, conhecido pela animação de 2004, Mind Game, que detém 100% da classificação do Rotten Tomatoes, com roteiros de Ichirō Ōkouchie conhecido pelo seu trabalho em Code Geass e animado pelo estúdio Science SARU, um dos únicos estúdios japoneses a misturar desenhos feitos à mão com ilustrações feitas com o auxílio de um computador para fazer animações em 2D.

Apesar de ser desconhecido em território brasileiro, Devilman já protagonizou diversas animações e fez inúmeras aparições especiais em outras obras do autor, aparecendo em crossovers com o robô gigante Mazinger e com os Ciborgues superpoderosos de Shotaro Ishinomori, em Cyborg 009 VS Devilman.

Centrado em torno de Akira, um garoto altamente empático, apenas ouvir as tragédias do mundo real é suficiente para encher seus olhos de lagrimas e seu melhor amigo de infância, Ryo, que o apresenta para um mundo novo, onde demônios realmente existem escondidos as margens da sociedade.

Ryo, por outro lado, é um sociopata, não se importando com nada fora a sua pesquisa. A primeira parte da história se trata da criação deste mundo de demônios e da análise das mudanças que Akira sofre à medida que se torna Devilman. A trama, segue o protagonista ao descobrir que os demônios tentarão novamente tomar o controle da Terra. Sabendo que as pessoas não teriam chance, ele faz um pacto e se torna uma criatura hibrida com o poder dos demônios enquanto mantem um coração humano.

Basicamente, a história é uma excelente mistura do que fez a obra original de Go Nagai se destacar na época de sua publicação original, enquanto as adições particulares dessa nova versão acertam em inovar o cânone, respeitando a narrativa do mangá e, ao mesmo tempo, tomando algumas escolhas arriscadas que não só se destacam por conta própria, mas se mantem orgânicas com o universo estipulado por Nagai, inclusive os momentos icônicos da série são mantidos apesar de apresentados por um outro ponto de vista, o que adiciona uma sensação de originalidade e de grandeza.

A direção de Masaaki Yuasa, dispensa comentários com um estilo artístico único, unindo trações simples e leves com uma ação dinâmica cheia de convicção, o que convence público sobre as dificuldades enfrentadas por cada um dos personagens, principalmente em momentos dramáticos enquanto mantem uma estranha sensação clássica e exagerada de animação cartunescas como as dos Looney Tunes, especialmente quando se trata dos elementos mais surrealistas da trama.

Em Crybaby, esses aspectos característicos de um cartoon são colocados em destaque em cenas ultravioletas e com teor sexual, o que a princípio pode afastar uma parcela do público, mas que se justifica conforme a história vai se desenvolvendo, e as pontas soltas vão se interligando em um desfecho surpreendente, certamente diferente de qualquer outra coisa no catálogo da Netflix.

De certa forma lembrando bastante uma mistura da violência presente em Berserk com os conflitos existências de Evangelion, enquanto critica o comportamento agressivo do ser humano com o diferente.

Com personagens cativantes e muito bem trabalhados no decorrer de apenas 10 episódios, com enfase no relacionamento entre os personagens de maneira crível para reapresentar ao mundo uma das obras de maior orgulho de Nagai.

Do incio ao fim estilizado em um visual impressionante e abstrato, tanto nos momentos de ação brutalmente violentas quanto nos períodos emocionalmente agonizantes entre as batalhas. Enquanto os visuais densos do diretor Masaaki Yuasa pulsam com vida e vitalidade, criando composições visuais impactantes e cheias de cor que se destacam não apenas no contexto da história, mas também como imagens individuais, casando perfeitamente com uma trilha sonora frenética, enquanto o roteiro de Ichirō Ōkouchi nos presenteia com um desfecho surpreendente.

Não é preciso assistir as animações antigas ou ler o manga para entender o que Devilman Crybaby pretende adicionar ao catalogo da Netflix. Vale a pena mencionar que o anime Devilman dos anos 70 é apresentada no universo de Devilman Crybaby como um anime real, as vezes em exibição na televisão ou representado com bonecos e estatuas decorando o cenário.