Li um gibi dos Eternos e olha no que deu!

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Quando as pessoas falam dos Eternos, elas costumam citar fases nas HQs como a do Jack Kirby e a do Neil Gaiman (só essas) porque só essas “prestam” — e não é como se existissem muitas. Mas esse é um golpe igual ao da sua Tia do Natal que só fala daquele seu primo que passou em trinta vestibulares com nota máxima, ignorando o que deixou o cabelo crescer e montou uma banda de punk funk alternativo. É tudo para mexer com a sua autoestima.

Eu, que não sou besta e vi logo o truque que a população mundial de fãs dos Eternos (cerca de 12 pessoas) estava tentando pregar no povo marvete, fui atrás de outros materiais sobre o ilustre supergrupo que ninguém conhece — aqui, obviamente estou tratando os leitores dos formatinhos dos anos 90 como ninguém. Cresçam. Superem as jaquetas personalizadas dos Vingadores e o patético triângulo amoroso entre Sersi, Crystal e o Cavaleiro Negro.

Portanto, fui atrás da minissérie Eterno, do selo Marvel MAX, escrita pelo Chuck Austen e desenhada pelo Kevin Walker. O gibi foi lançado para explicar melhor a origem dos Eternos que o Jack Kirby conta no primeiro volume de Eternos, lá no final dos anos 70. É claro que a pretensão de tentar explicar melhor uma ideia do Kirby não ia dar coisa boa.

Eterno — ou O Eterno, se você quer soar literal e cafona — foi cancelado após seis edições (tarde demais até) com uma trama tão ruim que precisaram chamar o Neil Gaiman uns anos depois para ignorar e retconar tudo. Mas isso não me impediu de ler esse gibi, pois eu precisava saber a verdade.

Eterno conta, em detalhes, sobre a criação da humanidade, dos Eternos, dos Deviantes e fala sobre esse povinho aí, que vocês chamam de Celestiais. Quer dizer, tenta.

O maior problema é que o gibi é uma verdadeira obra de arte pornográfica, mas sem a parte da obra de arte, só pornografia mesmo. Com direito a escravas sexuais que andam peladas por aí, diálogos acalorados sobre dominância sexual, orgias regulamentadas por lei e um verdadeiro Kama Sutra ilustrado que vai se desdobrando através da história em um espetáculo tão grotesco de falta de noção que a grande treta do gibi só acontece porque alguém decidiu ensinar as mulheres a pensar e falar, numa releitura de Adão e Eva — que eu achei ter sido escrita pelo Zack Snyder, de tão tosca que foi.

Sim, é publicado pelo selo Marvel MAX, para maiores de 18, o que pressupõe certo grau dessas coisas. O problema é que o excesso desses elementos não contribui muito para a história, chegando a prejudicar o seu andamento. Você tá lá, imerso no conflito interno que se desdobra entre os Eternos, e a página seguinte tem um grande balão de exclamação dizendo “Harder!” Não preciso dizer mais nada, não é?

A história traz Ikaeden, um dos primeiros Eternos, e seu grupo chegando na Terra como escravos, trabalhando para os Celestiais. Fazendo alguns experimentos com os homo erectus da região para criar mão de obra boa e barata — sim, eles terceirizaram a escravidão — eles acabam criando uma mulher, do jeito que as conhecemos hoje, na primeira das muitas cenas de nudez que o gibi oferece.

Kurassus, o segundo em comando, quer usar as mulheres apenas como escravas sexuais, já que os Celestiais mataram todas as mulheres da raça deles (?) para que eles fossem dignos de se tornar Eternos. O plano vai muito bem e deixa TODOS os Eternos felizes até que Ikaeden se apaixona e decide que Eternos e Deviantes devem reproduzir, mesmo que isso vá trazer a fúria de Kurassus e dos Celestiais para cima dele (e traz).

Sendo sincero, não me surpreende que o editor-chefe da época, o Joe Quesada, tenha aprovado esse quadrinho, mesmo levando em conta que os diálogos aparentam ter saído de alguma paródia pornô bem besta, já que a Marvel ainda tinha problemas financeiros. O que me deixa espantado mesmo é o fato do gibi ter contado com DOIS editores — o Sr. Mike Raicht e a Sra. Stephanie Moore — e eles nunca terem olhado um para a cara da outra e pensado “é, esse negócio aqui tá estranho.”

Não, eles foram adiante com a coisa toda e permitiram que falas como “Eu gosto de fazer amor com ele, pois o piu-piu dele é maior que o seu” (em linguagem +18) fossem publicadas.

Se eles não ficaram confusos, eu fiquei bastante, chegando ao ponto de ler o tópico “Anteriormente” de cada edição para ter certeza de que tinha entendido tudo direitinho até então. No final das contas, estava tudo certo com a minha capacidade de compreensão. O que é preocupante, dado o tipo de material que eu estava lendo.

De positivo, Chuck Austen pode se orgulhar bastante de ter rompido com todos os clichês do gênero para criar os seus próprios. Pessoalmente, eu adoro como ele usa os clássicos diálogos motivacionais de quadrinhos de super-heróis apenas para, logo em seguida, subverter tudo e jogar um gore e vários palavrões na minha cara. É inspirador.

Infelizmente, como ele não teve tantas ideias originais assim, é só isso que acontece mesmo, se repetindo pelas poucas edições que compõem a minissérie. Quem gosta de ver homens musculosos gritando “Morra!” e “Muahahaha, esse era o meu plano o tempo todo!” enquanto se enfrentam vai encontrar muito entretenimento nessa escolha narrativa peculiar que o autor adota.

Já eu, que ainda tenho um pouco de sanidade, tive uma experiência tão torturante que percebi que a sacada genial do quadrinho é se chamar “Eterno”, no singular mesmo, porque você realmente sente que o sofrimento de ler isso não vai acabar.

Quando acaba, deixa mais perguntas do que respostas, mas eu não me atrevo a falar isso em voz alta, com medo de que a Marvel Comics decida anunciar uma continuação. No entanto, uma não quer calar: Será que a “sala da orgia” é um conceito que será incorporado na versão do MCU? Veremos.

Depois dessa experiência traumatizante, nunca mais vou tocar em um gibi dos Eternos.

Tocar fogo, talvez. A boa notícia é que agora sabemos que a Marvel Studios deu preferência a um grupo cujas histórias têm mais do que material suficiente para bater filmes como Deadpool e Logan no quesito +18. Eu só não sei se isso é uma coisa boa.