Logan | “Such a nice man”

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Personagens moralmente cinzentos têm se tornado mais populares no universo midiático mainstream, contrariando arquétipos que limitavam ideologias e comportamentos em uma linha imaginária de uma dicotomia de preto e branco. Por fugirem das características padrões que definiriam um herói convencional, é notável a abertura de caminhos alternativos que, para o bem ou para o mal, acabam diferenciando Logan de outros filmes baseados em quadrinhos populares.

Sendo essencialmente fruto de Old Man Logan, uma mediana história moderna concebida por Mark Millar, famoso por preferir abordagens destruidoras de clichês arquetípicos e aprovado à luz do recente sucesso de um irmão de criação (Deadpool), Logan não poderia fugir desse rótulo acinzentado, especialmente quando isso faz parte das próprias raízes do protagonista. Rotulação, por sinal, metaforizada pelo antigo filme Shane, que é abertamente reproduzido e citado durante o filme e guarda semelhanças ainda maiores com a própria obra.

Situado seis anos após o final feliz de Dias de um Futuro Esquecido, onde Wolverine conserta, na medida do possível, a linha temporal que prejudicava a existência dos mutantes, Logan rejeita esse final otimista, estabelecendo sua própria distopia mutante em um mundo que, em vez de odiá-los e temê-los, apenas os ignora. Mutantes não são mais o próximo passo evolutivo e não existem em quantidade suficiente para… Bem, para nada.

Nesse paraíso humano, um cansado Logan, no que promete ser a última interpretação de Hugh Jackman pelo personagem, faz o possível para sobreviver ao lado de um extremamente debilitado Charles Xavier, interpretado por Sir Patrick Stewart, que ainda quer acreditar nos sonhos que tinha quando jovem e preserva, na medida do possível, os seus princípios. Mais parecido do que nunca com sua versão mais jovem, interpretada por James McAvoy, temos um Xavier infantil e inconsequente, determinado a tentar aproveitar a vida que Logan esqueceu. O tagarela mutante Caliban, que graças às inconsequências da Fox se tornou figurinha repetida entre X-Men: Apocalypse e Logan sem maiores explicações, também aparece entre eles, dessa vez interpretado por Stephen Mercant.

Mas a pérola do filme é Laura Kinney – ou apenas Laura, no filme – a famigerada X-23, que atualmente assume o próprio manto de Wolverine nos quadrinhos da Marvel em uma fase bem-sucedida. Interpretada por Dafne Keen, que encarna trejeitos animalescos de uma forma que o Hugh Jackman nunca foi capaz, sua presença move a trama de maneiras mais profundas do que se pode imaginar. Entre olhares irônicos, desconfiados ou apenas agressivos, a personagem conquista o espectador, seja escutando uma música com fones de ouvido pela primeira vez, seja decepando a cabeça de alguém.

No geral, Logan não tem o suficiente para decepcionar, sendo seu maior acerto (embora provavelmente tenha sido um erro) deixar que o espectador pense por contra própria sobre o que aconteceu nos seis anos entre os filmes, preferindo se concentrar no “aqui e agora” que se desenrola em um ritmo frenético. Desprovido de vilões individuais de peso, Logan aposta nos conflitos entre o bom e o ruim durante a luta pela sobrevivência. Até que ponto se deve ir? Vale a pena lutar por um sonho que morreu? Ou melhor, os sonhos chegam a morrer?