Antes de começarmos, quero dizer que, sim, eu sei que o site se chama Cromossomo Nerd, mas existe um motivo bem específico para isso e, infelizmente, não é possível corrigirmos algumas escolhas erradas do passado.
O Cromossomo Nerd nasceu do desejo de ter um espaço para falar sobre filmes, quadrinhos, séries, games e tudo o mais, coisa que os fundadores do site sempre amaram desde a infância, principalmente por serem filhos de ex-donos de uma videolocadora, um dos maiores comércios de entretenimento dos anos 90.
Quando o site nasceu, era apenas um hobby e o sonho de um dia conseguir se igualar aos grandes nomes dessa vertente. Alguns anos se passaram e não chegamos nem perto desse sonho, mas temos muito orgulho do que construímos, das pessoas que conhecemos e do espaço que conquistamos.
Desde o princípio, queríamos implementar nossa opinião no conteúdo que criamos e trazer a perspectiva dos fãs para essas obras, mas no decorrer do tempo, essa visão foi se modificando, principalmente por culpa dos fãs.
No início, nossa visão de “nerd” era uma pessoa apaixonada pelos conteúdos presentes no site, mas conforme fomos nos aprofundando nesses conteúdos e conhecendo as pessoas que os consumiam, surgiu também uma necessidade de se afastar desse rótulo e até uma certa vergonha de fazer parte desse grupo, já que muitos dos que consomem Star Wars, Avatar: A Lenda de Aang, Game of Thrones, X-Men e tantas outras obras icônicas da cultura pop, não fazem ideia do que estão consumindo, ou melhor, não querem entender o que estão consumindo.
Nos últimos anos, a necessidade de representatividade ficou cada vez mais escancarada e difundida, bem como as críticas em obras da cultura pop direcionadas a governos opressores, intolerância, violência e preconceito.
Conforme esses paralelos com o mundo real ficavam mais evidentes, crescia também a quantidade de consumidores que rejeitam esses ideais, os chamados “anti-lacração”.
Muito de nosso arrependimento em manter a alcunha “nerd” no nome do site se deve justamente a esses que criticam a temática política e inclusiva nas obras da cultura pop.
Outro dia, postamos um trecho de uma cena de Avatar: A Lenda de Aang, fazendo uma piada em alusão à política brasileira. Não demorou muito para que surgissem os defensores ferrenhos do atual governo, juntamente com alguns pedindo que “não envolvêssemos política nos conteúdos da página”.
É aí que começa o grande problema, já que, a franquia Avatar da Nickelodeon é, por si só, uma história política. Como uma pessoa pode assistir aquela animação e não entender que Ozai é um ditador implacável e sedento por poder, algo que se reflete em Azula, sua sádica filha mais nova, que está disposta até mesmo a matar seu próprio irmão?
Em A Lenda de Korra, essa vertente política é novamente abordada; desta vez, incluindo um supremacista que se acha no direito de “equalizar a humanidade”, extirpando os dobradores do mundo, ou seja, aqueles que são diferentes.
Esses paralelos e críticas são vistos em milhares de outras obras da cultura pop. Imagine só descobrir que o maior anseio de Voldemort era ter um mundo com uma raça pura de bruxos, eliminando aqueles que nasceram sem o dom da magia e qualquer um que comungasse com eles.
Caso você não saiba, muitos super-heróis foram criados em tempos de guerra, como uma forma de explicar para as crianças o que estava acontecendo, quem eram os inimigos e de dar esperança à elas. O próprio Capitão América fez sua estreia nos quadrinhos dando um soco na cara de Hitler, tem como ser mais político que isso?
Desde o princípio, Star Wars é uma obra política, com uma luta contra um império opressor, resistência e tudo o mais.
Não preciso nem dizer que X-Men nasceu e se mantém como uma obra que levanta a bandeira de aceitação e inclusão, onde os diferentes são rejeitados pela sociedade e perseguidos por suas diferenças.
Vocês humanos matam uns aos outros por causa da cor de sua pele, sua crença ou sua política – ou sem motivo algum – muitos de vocês acham tão fácil odiar quanto respirar – Magneto.
A frase acima foi escrita pelo próprio Stan Lee.
Miles Morales, Kamala Khan, America Chavez, a lista é interminável. Todos eles fogem do padrão e possuem diferenças sociais em relação aos demais, seja por sua etnia, religião ou sexualidade.
Mesmo com tantos exemplos, muitos de nossos seguidores ainda insistem em pedir que não falemos de política. Fica difícil fazer isso quando muitas das obras aclamadas por nós e por nossos seguidores SÓ FALAM DISSO.
O aclamado Alan Moore, autor de obras como Watchmen, V de Vingança, Batman: A Piada Mortal, Monstro do Pântano e tantas outras, é um verdadeiro mestre em amarrar temas polêmicos e críticas sociais em suas obras, mas por mais que muitos desses quadrinhos tenham virado filmes (o que os torna mais didáticos), muitos dos consumidores ainda não entendem a mensagem deles.
A recente série de Watchmen é um verdadeiro show de críticas sociais ao racismo, algo feito de maneira brilhante e digna de aplausos, mas mesmo assim, muitos ainda acham que Rorschach era um herói, só porque ele matava bandidos.
A real é que, depois de um tempo, nós simplesmente cansamos de tentar fazer com que essas pessoas entendam que a cultura pop é política por si só. Outra verdade é que o “nerd” de hoje em dia só se preocupa com o visual, com poderes, magia e figurinos, ignorando todo o contexto das obras que ele consome.
Se, antigamente, ser “nerd” era sinônimo de inteligência, hoje em dia é uma palavra que resume pessoas intolerantes, ignorantes e que simplesmente consomem um conteúdo de forma vazia, porque está na moda.
Isso talvez mude um dia, eu não sei. O que eu sei é que continuarei amando esses personagens, essas franquias e esses universos, enquanto aproveito também o que eles têm a me ensinar.
É claro, também não podemos dizer que toda a comunidade que nos acompanha reflete os valores citados acima. Assim como nós, também existem aqueles que compreendem as nuances narrativas e que lutam para que todos entendam. Isso nos dá forças para continuar lutando pelo que acreditamos e fazendo nosso trabalho.