Eu admito – com certa vergonha – que Superman/Batman escrito pelo Jeph Loeb é um dos meus títulos favoritos entre todos os quadrinhos. Isso mesmo, todos. É um prazer culposo que eu tenho. Talvez não devesse ser, já que o Jeph Loeb é um dcnauta assumido cujas alopradas podem ser entendidas como o simples prazer descabido de um fã que brinca com seus personagens como uma criança brinca com os seus bonecos e bonecas favoritas.
O primeiro arco, que inclusive virou uma animação, se chama Inimigos Públicos (como eu falei, acho muito bom e super recomendo a leitura ou a assistida) e traz o embate direto entre os “Melhores do Mundo” e o presidente dos Estados Unidos. Essa informação poderia colocar em dúvida a credibilidade das ações dos heróis no gibi, não fosse Lex Luthor o presidente dos EUA nos gibis da DC, naquela época.
Sem entrar nos pormenores da situação, Luthor orquestra uma grande operação contra o Superman no primeiro pretexto que encontra para isso. Os heróis, é claro, se unem contra Luthor e corrigem a corrupção que sua presença trouxe para o cargo removendo-o dele.
A ideia por trás disso é óbvia: ver até que ponto o Superman, o símbolo máximo da retidão e de valores tradicionais norte-americanos, consegue lidar com o fato de uma pessoa ser ao mesmo tempo o seu maior vilão e a maior autoridade do país, escolhida pelo seu próprio povo. É tão óbvia, na verdade, que nenhum de nós precisa ser “Super” para entender o conflito que esse tipo de situação carrega. Quando alguém que julgamos essencialmente como ruim assume um papel de poder, acreditamos que o poder foi subvertido, não que ele é parte dessa figura. Daí se explica porque acontece de maneira fácil a queda de Luthor, ao final do arco: já se espera que ele não seja apto para isso, pois é um vilão, e vilão nenhum vence para sempre.
O grande problema é que a obviedade dessa questão se resume ao fato de sabermos que Lex Luthor é um vilão. Às vezes, não pensamos exatamente no que faz dele um vilão, mas sabemos disso, já que é a narrativa que recebemos desde sempre. Quando um personagem como Lex Luthor, que é um vilão declarado, apesar de ter o aparente perfil ideal para um presidenciável (especialmente um presidenciável norte-americano), assume um papel de poder, não existe conflito algum. Todos sabem que, eventualmente, suas características falarão mais alto e ele será deposto, como aconteceu.
Na vida real, também pintamos os nossos vilões, mas isso não quer dizer que eles realmente o sejam, afinal, a vida não é um gibi. E olha que nem os gibis são mais (tão) dicotômicos. O próprio Lex, na sua mente, acredita estar salvando o mundo do Superman e tem bases sólidas para lutar pelo que acredita.
E esse pode ser o maior problema da sua conturbada presidência nos quadrinhos. Afinal, o que divide tanto o Lex Luthor e o Superman é o fato do Lex ter um complexo de Messias, mas ser só um humano, enquanto o Superman tem as óbvias características ocidentais de uma divindade, mas quer ser um humano.
A arrogância do personagem é a maior responsável por colocá-lo numa situação onde a sua vontade e as suas crenças, de forma completamente antidemocrática, se sobrepõem aos interesses da população que o elegeu ali. A população americana não o elegeu para fazer de sua prioridade o extermínio do Superman, tampouco para colocar o herói como “Inimigo Público”. Contudo, a população americana elegeu alguém que claramente tinha esses objetivos como prioridade. Será que essa foi uma boa ideia?
Tem outro gibi que eu gosto bastante, embora não tanto quanto Inimigos Públicos, que toca no mesmo tema de forma mais direta. DC Universe: Decisions basicamente serviu como uma mini que mostrava os posicionamentos políticos dos heróis. Sim, você pode achar isso um pouco tendencioso. Eu acho um pouco tendencioso. É extremamente complicado entregar a um escritor a responsabilidade de dizer em quem cada herói votaria porque isso envolve diversas crenças e, no final das contas, todos temos estereótipos de como são os eleitores de cada candidato, mas nem sempre eles são verdadeiros.
Do que eu gosto mesmo no gibi, e considero o seu maior acerto, é a resposta do Superman para sua preferência de voto. Ele basicamente diz que seu voto é secreto, pois é assim que a democracia funciona. Quem quer que seja eleito deve acreditar que tem o apoio de todo o país e o resultado de uma eleição não deveria dividir a população.
Essa é a resposta mais Superman que o Superman poderia dar. Mas ela se aplica à eleição de Lex Luthor, que claramente irritou o Superman, já que ele sabia que um vilão estava sendo eleito? Pior: um vilão que tem como missão de vida destruí-lo, apenas por ser quem ele é.
Como eu disse, Lex Luthor é um personagem com um potencial intelectual sem limites. Isso com certeza faria dele um presidente sensacional, mas outras de suas características ficaram no caminho disso. Então, até que ponto os benefícios superam os riscos de se ter um Lex Luthor presidente?
Para o Superman e os outros heróis, a linha foi clara: Ninguém deve abusar do poder para exercer suas vontades pessoais. E para nós?
Na vida real, quem são os nossos heróis e os nossos vilões? Será que eles existem? Você pode estar pensando que esses são só gibis e não devem ser levados tão a sério assim. Mas talvez Jeph Loeb tenha um lado sartreano em si, que acredita na literatura como arte engajada e reflexo da realidade, em vez de só lazer descompromissado. Talvez não. Mas e se ele acertou?