Pinguim trouxe de volta o meu tesão pela DC — CRÍTICA

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A minissérie Pinguim, derivada do sucesso Batman (2022), dirigido por Matt Reeves, é uma joia rara entre os derivados do universos de heróis.

Embora um projeto como esse pudesse parecer improvável, a série surpreende ao mergulhar fundo no submundo de Gotham, expandindo com inteligência o universo de Reeves. Com Colin Farrell de volta ao papel do vilão, a série equilibra bem o realismo com o exagero quadrinesco, criando uma narrativa repleta de violência, manipulação e, por incrível que pareça, humanidade.

A Escalada para o Topo

Pinguim e Sofia Falcone

A série se inicia imediatamente após os eventos de Batman (2022), com Gotham devastada pelo Charada e o Pinguim tentando encontrar seu espaço no vácuo de poder deixado pela morte de Carmine Falcone. Ao longo dos oito episódios, Pinguim explora essa luta por poder em meio a traições e esquemas no estilo clássico das histórias de máfia.

Assim como fez em seu Batman, Matt Reeves, que atua como produtor na série, prefere subverter alguns conceitos dos quadrinhos para deixá-los mais realistas, inclusive optando por modificar levemente o nome do personagem Oswald Cobblepot, que aqui é chamado de Oswald Cobb ou simplesmente Oz.

Um dos maiores acertos é a construção lenta e meticulosa dos personagens e suas dinâmicas, com destaque para os jogos de manipulação entre Oz e Sofia Falcone (Cristin Milioti).

Sofia é um dos pontos altos da série, transformando-se em uma antagonista forte e complexa para Oz. Inicialmente retratada como vítima de um sistema patriarcal e manipulador, ela evolui ao longo dos episódios, tornando-se uma figura trágica e, por fim, uma vilã que espelha os defeitos e traumas do próprio Oz.

Cristin Milioti traz uma intensidade incrível para Sofia Falcone, fazendo dela uma personagem profunda e fascinante. Mesmo com toda sua violência, ela tem uma complexidade que faz o público entender suas motivações e, às vezes, até torcer por ela.

Jogo de manipulação de Oz

Pinguim de terno

Ao longo da primeira temporada, Oz mostra uma psicopatia complexa que está em cada ação e fala dele, revelando uma mente extremamente manipuladora. Em cada episódio, sua personalidade se desdobra como um jogo de xadrez: ele demonstra uma total falta de empatia e até um prazer sádico em ver os outros sofrerem. E, mesmo que em alguns momentos pareça que ele se importa com quem está ao seu lado, o último episódio deixa claro que isso não passa de fachada.

Oz mistura impulsividade e agressividade com uma astúcia fria e calculista, usando seu talento para manipular e controlar as pessoas ao redor para escapar de situações complicadas. Ele nunca hesita em recorrer a uma violência extrema para alcançar seus objetivos. Suas falas sarcásticas e frias revelam um distanciamento emocional que o torna imprevisível e muito perigoso.

No fim das contas, a série deixa claro que ele compensa suas deficiências físicas e aparência mais rústica com muita inteligência e astúcia (e até um pouco de sorte). Além disso, o roteiro também mostra como os poderosos subjugam aqueles que os servem e que estão ao seu redor, o que pode ser um grande erro.

A Relação entre Mãe e Filho

Pinguim e a sua mãe Francis

A relação entre o Pinguim e sua mãe, Francis (Deirdre O’Connell), é um dos aspectos mais perturbadores e complexos da série. Desde cedo, fica claro que Oz desenvolveu uma obsessão por ela, que vai muito além de uma relação comum entre mãe e filho.

Francis é uma figura controladora e, ao mesmo tempo, negligente e cruel, o que ajuda a moldar o lado sombrio e instável do protagonista. Ela o incentiva e manipula, alimentando o senso de superioridade de Oz e, ao mesmo tempo, jogando com suas emoções e fraquezas.

Essa dinâmica intensa entre os dois revela os traumas e as motivações profundas de Oz, que faz de tudo para ganhar a aprovação da mãe, mesmo que isso signifique recorrer a atos violentos. Em vários momentos, Francis insinua que ele deveria se livrar de qualquer um que possa ameaçar seu poder, inclusive aqueles que ele julga amigos ou aliados. No fundo, essa relação doentia é parte do que transforma Oz no personagem brutal e manipulador que ele se torna, fazendo com que a figura de Francis permaneça como uma influência sombria em sua vida.

Victor e a simpatia pelo diabo

Outro elemento interessante da série é a relação do Pinguim com Victor (Rhenzy Feliz), que se estabelece como uma espécie de “Robin” distorcido para o protagonista.

A presença de Victor traz uma camada trágica e melancólica à série, mostrando a “ralé” de Gotham e as consequências reais das ações dos vilões sobre o povo comum. Essa dinâmica não apenas fornece profundidade emocional, mas também ressalta o lado manipulador e cínico de Oz, que não hesitaria em eliminar Victor se isso lhe fosse conveniente.

No fim, o garoto enxerga nas ações de Oz uma luz de esperança para os esquecidos da periferia, jurando a ele uma lealdade inigualável, mas o garoto acaba tendo que ir contra seus princípios para atender os desejos do vilão.

Uma Produção que Honra Batman (2022)

Desde o primeiro episódio, Pinguim não tenta simplesmente imitar o estilo de Batman de 2022, mas sim construir sua própria identidade. A atmosfera melancólica, quase noir, é mantida com maestria. A direção e o roteiro conduzem a série com equilíbrio, explorando tanto o realismo quanto o lado mais caricato e cômico dos quadrinhos, especialmente nos trejeitos e na caracterização de Oz.

As escolhas de ambientação e o trabalho de maquiagem elevam a narrativa, ajudando Farrell a se tornar irreconhecível em seu papel. A equipe de maquiagem faz um trabalho impressionante ao torná-lo grotesco sem perder o toque de realismo, um detalhe que se reflete em momentos memoráveis, como a sequência de tortura de Oz, que quase beira o horror corporal.

Farrell brilha em suas cenas de violência, enquanto também mostra o lado irônico e ácido do personagem.

O tom sombrio em Pinguim

Um dos pontos fortes de Pinguim é seu tom. Em vez de se levar a sério demais, a série abraça as excentricidades dos quadrinhos em momentos específicos, como nas interações sarcásticas e irônicas de Oz, ou mesmo nos planos mirabolantes que remetem ao estilo noir de crime.

O episódio “Cent’anni”, focado no passado de Sofia, e o sombrio flashback da infância de Oz, no episódio “Manda-chuva”, exemplificam esse equilíbrio ao abordar com profundidade e até certo exagero as origens de cada personagem.

Conclusão

Pinguim não é uma série de heróis e, nesse sentido, talvez tenha um apelo diferente para os fãs de quadrinhos. Não temos um “símbolo de esperança”, mas um vilão complexamente humano e, por vezes, monstruoso. A série aposta em uma narrativa que se sustenta nos personagens e na atmosfera decadente de Gotham, sem precisar recorrer ao fan service ou depender de aparições do Batman.

Com interpretações de destaque, em especial de Colin Farrell e Cristin Milioti, e um roteiro que sabe explorar os dilemas morais de cada personagem, Pinguim se firma como uma das séries mais intrigantes do universo DC. A série consegue oferecer uma visão brutal e envolvente de Gotham, explorando como personagens danificados e ambiciosos tentam escalar a hierarquia do crime.