A Grande Muralha é uma obra de aventura e fantasia, cuja premissa nos fala sobre algo que já passou pela cabeça de quase todo o estudante que teve um bom professor de história ou geografia. Durante tais aulas, quando se falava em Muralha da China, havia quem garantisse que era a única obra humana que podia ser vista do espaço. Mas a teoria, embora animadora e interessante, se mostrou incorreta em 2004, quando o astronauta chinês Yang Liwei declarou que essa visualização era impossível.
Durante séculos se imaginou também, quais seriam as verdadeiras razões de tamanha obra de 2.400 km de extensão – tão trabalhosa quanto onerosa, que levou incríveis 1.700 anos para ser concluída, começando em 220 A.C. e tendo gerações de famílias trabalhando nela, tanto escravos quanto assalariados. As razões eram de que ela serviria de barreira, detendo os ataques dos Hunos e nômades do Norte e também como estrada segura e rápida para pessoas e armamentos. Hoje, resulta num enorme ganho econômico para o turismo da China. Mas… será que essa obra que é uma façanha de engenharia e força existiria apenas por esses motivos? Diz-se que o número de vidas que essa construção sacrificou como resultado de acidentes de trabalho, possivelmente superou o número de vitimas que haveria em caso de invasões. O que nos leva a pensar: e se houvesse algo maior e mais ameaçador por trás daquelas pedras que obrigasse aquele povo a construí-la? E se fosse algo que justificasse as vidas perdidas na edificação de muralha? Max Brooks, Edward Zwick e Marshal Herskovitz, autores da história original, resolveram brincar com as possibilidades da resposta à essa pergunta e criaram uma história cheia de ação e fantasia que satisfaz a curiosidade imaginativa do espectador. Tony Gilroy, Doug Miro e Carlo Bernard transformaram essa história num roteiro com sequências de cenas de ação que dão espaço à empolgantes coreografias nas batalhas; cenas que merecem até serem revisitadas. O resultado é um filme de ação e aventura que funciona muito bem nas telonas e funcionará também fora delas por um bom tempo.
Longe de ser um marco, um divisor de águas, na história do cinema de aventura, o filme traz obviamente seus clichês do gênero, como mortes óbvias e esperadas, altruísmo súbito e oportuno e mensagens de moral e ética que, embora não possamos discutir seu enorme valor, costumam soar um pouco falsas na aventuras cinematográficas (salvo exceções). Mas a direção de Zhang Yimou (O Clã das Adagas Voadoras) não se mostra eficiente só nas cenas de ação. Sob sua batuta, os atores contornam muito bem esses momentos, dando a leveza e credibilidade necessárias para uma aventura. Cenas que talvez nas mãos de outro, ficariam um pouco mais carregados e melosas.
Matt Damon (da trilogia Bourne e Perdido em Marte) que sempre se sai bem em filmes de ação, divide a tela com a bela Jing Tian (de Identidade Especial e Em Nome da Lei) , com o ótimo Pedro Pascal (de Game of Thrones e Narcos) e com o experiente William Dafoe (de Homem Aranha e O Caçador), que sempre entrega um atuação no mínimo excelente, mesmo em papéis pequenos.
Em sua busca por poder, fama e dinheiro, Willliam Garin e Pero Tovar (Matt Damon e Pedro Pascal respectivamente) fogem pelo deserto da China depois de enfrentarem tribos locais e se deparam com uma estranha criatura não revelada na escuridão da noite. Escapando dela pela habilidade de Garin, ambos, cavalgam até se depararem com a Muralha da China, onde são recebidos como estrangeiros e inimigos – o que era de se esperar. Nessa altura, deparamos com a sofisticação da cultura Chinesa, nos equipamentos e armamentos e com um exercito tão disciplinado quanto corajoso. As armas, as engrenagens internas que movimentam as defesas da muralha, e o cenário como um todo nos dão a ideia de que as equipes de arte, decoração de cenário e efeitos visuais não tiveram descanso. Seu trabalho resultou em lindos cenários, ótimos efeitos especiais e impecáveis soldados chineses, lutando contra o inimigo com armas tão criativas e funcionais, quanto belas. Esse exército é dividido em papéis a serem desempenhados e por isso, seus uniformes ganharam presença marcante. Sabendo que o filme teria como cenário um ambiente cinza com cores pálidas ao fundo, a figurinista Mayes Rubeo teve a ideia de criar uniformes com cores diferenciadas para cada casta; figurino esse que não passa despercebido em razão de sua complexidade, criatividade e beleza, enriquecendo todas as tomadas, tanto as mais próximas, quanto as de plano aberto. Isso ajudou o diretor a criar lindas imagens muito bem exploradas nas complexas coreografias sobre a Muralha com uma infantaria que usa roupas negras, arqueiros de vermelho e um exercito especial só de mulheres, as Garças, de azul.
Estas, ganharam presença na história, por razões tão singulares quanto práticas: por serem guerreiras mais leves, ganham uma função na qual isso é importante, e é talvez a mais perigosa entre todas as funções, de onde dificilmente se volta com vida. Desse exército, saiu a jovem comandante Lin Mae (Jing Tian) – sim, uma mulher, cujo relacionamento com Garin é bastante turbulento, mas evolui para uma admiração mútua.
A Grande Muralha, além da estética, conta também com a ótima trilha sonora de Ramin Djawadi, que literalmente impulsiona as cenas de ação, usando como ‘tempero’ os tambores taikô tocados também pelas Garças, que usam para isso, nunchakus ao invés das baquetas tradicionais desse instrumento. No filme (como acontecia na vida real), os tambores são usados para inspirar os guerreiros nas batalhas e há toques diferem entre si, pois cada ritmo significa uma instrução de manobra a ser adotada pelas tropas. E ver o exército executando as manobras sobre a muralha, cada grupo seguindo suas instruções sob o rufar dos tambores, vai dando ao espectador a ideia da importância da batalha e do que aqueles jovens soldados são capazes, através da união e disciplina, criando o clima do filme.
O filme tenta não melindrar os tempos do ‘politicamente correto’. As mulheres têm função primordial na batalha, não são consideradas frágeis e suas vidas não são poupadas como já aconteceu em guerras anteriores da nossa vida real. O comando vem de uma mulher, ela é valente e inspiradora e suas ordens são seguidas cegamente. E história não obriga ninguém a um par romântico embora fique subentendido que há uma atração entre ela e Garin.
Mesmo sendo um filme americano, o elenco em quase toda sua totalidade é de origem chinesa ou descendentes. O protagonista caucasiano não é apresentado como alguém com qualidades superiores, muito pelo contrário. O William Garin de Damon, assim como seu amigo Pero, embora habilidosos e de grande valor em batalha, são mercenários, assassinos e ladrões esperando o momento certo para agir em causa própria. Eles são grosseiros, fedorentos, sem modéstia, mau intencionados e dissimulados – ambos contrastam com o ambiente de honra e disciplina que os cerca. Aliás, dos 3 personagens ocidentais presentes no elenco, não se deve confiar em nenhum. Pelo menos não até a metade do filme quando se percebe que poder confiar em alguém em tempo difíceis pode até salvar vidas.
Um destaque também deve ser dado às criaturas, na sua forma de comunicação, seu ponto fraco e como sobrevivem – uma forma de vida saída da mente imaginativa dos criadores introduzindo ideias posteriormente desenvolvidas para obter do espectador as reações esperadas como repulsa e necessidade de soluções urgentes. As criaturas também se dividem em castas, no sentido social e até político. Explico: elas vivem sob a única crença de que para o grupo sobreviver deve-se sacrificar quantos forem necessários. Elas têm um controle central ao qual obedecem e esse controle é uma ‘mãe’ que gera quantos filhos forem necessários pra dominar a terra. Mas de onde vieram? Elas são a punição dos deuses para um rei ganancioso. O que nos leva a lembrar que a ganância é o motivo principal dos dois heróis terem ido parar ali, sendo ela talvez, o verdadeiro inimigo.
A Grande Muralha é diversão garantida, são 100 minutos bem aproveitados que não devem ser assistidos com pretensões além da finalidade do filme: entreter e divertir o público com um trabalho bem feito. Compre uma pipoca e aproveite.
Crítica elaborada por Cecilia Rivers.