[OPINIÃO] Dossiê Cyberpunk 2077 | As Mentiras

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Anunciado em Maio de 2012, Cyberpunk 2077 não atraiu tanta atenção, mesmo ganhando um teaser no ano seguinte.

Afinal, a desenvolvedora CD Projekt Red ainda não tinha caído nas graças do público e o jogo ainda não havia saído do papel. Em 2015, a empresa lançou o elogiadíssimo The Witcher 3: Wild Hunt, que caiu nas graças da crítica especializada e do público, tornando-se o jogo mais premiado da história. A cereja do bolo foram as 2 expansões, Hearts of Stone e Blood and Wine, que mantiveram toda a qualidade do jogo base e entregaram um encerramento satisfatório para a história de Geralt.

Com o ciclo completo para o bruxo, a desenvolvedora polonesa voltou toda a sua atenção para o seu próximo jogo: Cyberpunk 2077. O jogo teve sua pré-produção iniciada em 2016 e contava, inicialmente, com apenas 50 pessoas trabalhando nele. Desta vez, a CD Projetk Red não era uma empresa desconhecida, e sim a empresa que entregou um dos melhores jogos da história. Esse fato fez com que muitos jogadores voltassem seus olhos para a desenvolvedora e criassem expectativas imensas, afinal, se ela conseguiu entregar um jogo que fez história, seu próximo lançamento não ficaria devendo em nada, certo?

A ideia de utilizar o subgênero de ficção científica Cyberpunk na temática do jogo já criou um grande fascínio por parte do público. A temática foca na tecnologia futurista, mas mostrando um protagonista desprovido de muitos recursos. Geralmente, as histórias apresentam algum tipo de futuro distópico em que a alta tecnologia reina, sendo capaz de possibilitar modificações invasivas no corpo humano, personagens marginalizados e uma sociedade repleta de escolhas moralmente duvidosas. No aspecto narrativo, o subgênero permite tramas profundas e filosóficas, que questionam diversos aspectos da existência e a discussão sobre a ética junto da tecnologia.

Durante a E3 de 2018, o jogo ganhou um teaser espetacular, confirmando que ganharia versões para PlayStation 4 e Xbox One, além da versão de PC confirmada previamente, mas sem data de lançamento. Após muitas especulações, durante a E3 de 2019, o jogo finalmente recebeu a sua tão aguardada data de lançamento: 16 de Abril de 2020.

Em Maio de 2019, Jason Schreier, ex jornalista da Kotaku, trouxe uma reportagem de que a CD Projetk Red tinha um compromisso de ser mais humana com seus desenvolvedores, à medida que o desenvolvimento de Cyberpunk 2077 chegava na reta final, mas não era bem isso o que ele andava ouvindo de suas fontes.

Na mesma reportagem, o jornalista afirmou que quatro funcionários da CD Projetk Red entraram em contato como ele para contar como estavam as coisas nos bastidores do desenvolvimento de Cyberpunk 2077 e os relatos eram preocupantes. O jogo estava com o desenvolvimento atribulado devido ao crunch excessivo, com a desenvolvedora escolhendo quando seus funcionários poderiam sair de férias e deixando o aviso prévio que todos trabalhariam até nos feriados. Além do crunch, o jogo sofreu as consequências da decisão de mudar o planejamento prévio do projeto, feito lá em 2012, durante a pré-produção em 2016.

Basicamente, decisões criativas foram adicionadas ou removidas já durante o desenvolvimento oficial.

Em contrapartida ao artigo de Schreier, o cofundador do estúdio, Marcin Iwiński, disse que adotaria a política de crunch, mas sem ser obrigatória, causando uma certa polêmica. Esta política tóxica de trabalho obriga os desenvolvedores a cumprir diversas horas extras sem pagamento, para que os jogos sejam lançados na data prevista na melhor qualidade possível. Há relatos de colaboradores que ultrapassam 100 horas semanais de trabalho em diversos estúdios, sofrendo impactos severos na sua saúde física e mental.

Em Janeiro de 2020, o jogo sofreu o primeiro adiamento. Ao em vez de sair em 16 de Abril, o jogo foi anunciado para o dia 17 de Setembro. A princípio, é normal jogos serem adiados, e no ano de 2020 a pandemia do coronavírus sacudiu o mundo e atrapalhou diversos planos mundo a fora, sejam profissionais ou pessoais. Seis meses depois, no mês de Junho, Cyberpunk 2077 sofreu seu segundo adiamento. Desta vez, o jogo seria lançado no dia 19 de Novembro.

No dia 5 de Outubro, o Twitter oficial da CD Projetk Red trouxe uma informação importantíssima, que fez a alegria dos jogadores: Cyberpunk 2077 foi a gold. Ou seja: estava pronto para ser lançado e não teríamos mais adiamentos. Agora, era só esperar pacientemente pela data de lançamento e correr para o abraço. Pelo menos, em teoria.

No dia 27 de Outubro, quase 20 dias após o anúncio de que o jogo foi a gold, um novo anúncio surpreendeu a todos: Cyberpunk 2077 teria um novo adiamento de quase um mês e seria lançado no dia 10 de Dezembro. No comunicado, a empresa explicava que trabalhava em 9 versões do jogo e seria um verdadeiro desafio entregar todas as versões na mesma data e que um patch de dia “Zero” iria corrigir diversos problemas do jogo. O ato da CD Projetk Red e seu comunicado deixaram parte dos jogadores descontentes e confusos, acendendo um alerta de que havia algo errado com o jogo.

No dia 7 de Dezembro, o embargo das análises do jogo caiu e saíram as primeiras opiniões. Grande parte louvando o jogo, apesar de seus problemas técnicos. Aparentemente, Cyberpunk 2077 seria um sucesso, mas antes que a empolgação tomasse conta dos jogadores, um fato vergonhoso foi exposto: a CD Projetk Red intencionalmente escondeu as versões de console e somente mandou chaves de acesso para PC, em veículos da mídia selecionados cuidadosamente. Isso gerou diversas especulações por parte dos jogadores, mas a prova real seria tirada 3 dias depois, no lançamento oficial. A CD Projekt Red garantiu que o jogo rodava bem nos consoles da geração passada e que não havia motivo para preocupação.

No dia 10 de Dezembro, os jogadores puderam experimentar Cyberpunk 2077, após anos de espera, mas muitos ficaram bem desapontados com o que viram.

Cyberpunk 2077 foi lançado em estado deplorável, principalmente nos consoles. Com diversos problemas técnicos graves e uma performance ruim, o jogo causou uma frustração gigantesca em grande parte dos jogadores.

E quanto mais os jogadores avançavam e destrinchavam o jogo, mais os problemas tornavam-se evidentes. Para começar, o jogo estava muito longe do que era prometido. O marketing da CD Projetk Red foi agressivo com o jogo e prometeu uma nova geração de aventura em mundo aberto, totalmente revolucionário.

Diversas coisas que foram prometidas publicamente pela empresa durante o desenvolvimento não estavam no jogo ou não funcionavam como esperado. A inteligência artificial dos NPCs era patética, rendendo diversos memes na internet, como por exemplo: a polícia que literalmente brotava atrás do jogador quando o mesmo cometesse crimes. Anteriormente, a empresa havia prometido uma polícia implacável  e desafiadora que teria até sistema de procurados.

Foi anunciado que no início do jogo, quando o jogador criasse o V, ele poderia escolher 3 caminhos diferentes que mudariam o desenrolar da história, incentivando múltiplas jogatinas. A verdade é que essa escolha somente mudava os primeiros 20 minutos do jogo e abria diálogos diferentes durante a experiência, sem impactar de forma significativa a história do jogo.

Revoltados, e com razão, os jogadores começaram a pedir reembolsos pelo jogo, não só pelos problemas técnicos, mas também pelo jogo não ter cumprido as promessas feitas durante sua campanha de marketing.

A Sony possui uma política de reembolso rígida: a partir do momento que você comprar algum conteúdo e baixá-lo, não precisando sequer jogá-lo, você não poderia pedir seu dinheiro de volta. Cyberpunk 2077 conseguiu uma façanha inédita: fazer com que a Sony abrisse uma página dedicada a reembolso para devolver o dinheiro de todos os jogadores insatisfeitos, além de remover o jogo de sua loja digital, até que o mesmo seja completamente corrigido.

Todos esses problemas impactaram a CD Projekt Red na bolsa de valores: a empresa sofreu uma queda de 30% no valor de suas ações. Para ter noção do estrago, a perda monetária dos fundadores da empresa alcançou a marca impressionante de 1 bilhão de dólares, deixando exposta toda a insatisfação e descrença de seus investidores.

A empresa veio a público e pediu que os desenvolvedores não fossem culpados pelo lançamento tumultuado do jogo, mas sim os diretores da empresa. Um compromisso de consertar o jogo também foi firmado, por meio de patches ocasionais e adicionando DLCs gratuitas que trarão novos conteúdos ao jogo. As versões da nova geração foram adiadas e sairão em alguma data do segundo semestre. O modo multijogador só deverá aparecer em algum momento de 2022, junto de expansões pagas.

No dia 16 de Janeiro de 2021, Jason Schreier, agora escrevendo para a Bloomberg, trouxe novas informações exclusivas de como o desenvolvimento do jogo foi atribulado e das atitudes de má fé da direção da CD Projekt Red, tornando a situação ainda mais grave.

Mais de 20 ex funcionários da empresa entrevistados por Jason apontavam 3 grandes problemas: planejamento ruim, gestão irresponsável e um projeto ambicioso demais para a capacidade do estúdio.

Uma das revelações mais absurdas era que a demo que impressionou a todos na E3 de 2018 era falsa. A empresa criou uma sequência especialmente para o evento, que não representava o que estava sendo desenvolvido e muito menos o que o seria entregue 2 anos depois. Inclusive, a CD Projekt Red levou meses para desenvolver a demo, atrasando mais ainda o desenvolvimento do jogo.

Com o prazo apertando, o crunch agravou-se, fazendo com que os desenvolvedores trabalhassem cerca de 13 horas por dia, 5 vezes por semana, para tentar entregar a experiência prometida pelo marketing agressivo.

No ano passado, a CD Projekt Red anunciou que pagaria 10% dos seus lucros para seus funcionários, dando a entender que os mesmos receberiam valores que compensariam todo esse trabalho em excesso. Acontece que um dos funcionários relatou que o salario base de muitos profissionais envolvidos no projeto eram extremamente baixos (cerca de US$ 700,00 para um programador jr., por exemplo), o que acaba anulando o efeito positivo desse “bônus”.

Quando os desenvolvedores foram avisados que a data inicial do jogo seria 16 de Abril de 2020, muitos acreditaram ser uma piada. Muitos afirmam que o jogo só estaria pronto em 2022.

The Witcher 3 contou com 240 funcionários na sua produção, enquanto Cyberpunk 2077 contou com mais de 500. Como a empresa não estava acostumada a gerenciar um projeto tão grande, os times de desenvolvimento não conseguiram trabalhar de forma coordenada, inclusive com barreiras culturais, já que a CD Projetk Red contratou trabalhadores estrangeiros e, mesmo que fosse obrigatório que todos falassem inglês, na prática, isso não ocorreu, gerando falhas na comunicação e constrangimento para alguns profissionais que não falavam polonês.

Com a data dos consoles da nova geração anunciada, a empresa viu uma oportunidade de fazer mais dinheiro: lançar seu jogo em um período próximo ao do lançamento dos consoles.

O lançamento desastroso de Cyberpunk 2077 ensinou valiosas lições. Para as empresas, ficou claro que prometer coisas que você não consegue cumprir é um tiro pela culatra e quando um jogo não está pronto para ser lançado, é melhor ser honesto com os jogadores.

O crunch excessivo, que deveria entregar um jogo em perfeito estado, também não funcionou. Inclusive, muitos desenvolvedores da empresa ficaram revoltados pelo estado que o jogo foi lançado, principalmente porque os mesmos afirmaram que o jogo não estava pronto e, mesmo assim, os diretores fizeram o que achavam melhor, visando apenas o lucro da empresa.

Os jogadores aprenderam que não devem criar expectativas absurdas por nenhum jogo e, mais importante: não fazer pré-venda, principalmente quando você suspeitar que tem algo de errado com o jogo.

A CD Projetk Red terá muito trabalho pela frente em consertar Cyberpunk 2077 e entregar algo próximo do jogo prometido nas campanhas de marketing. Não é algo totalmente fora da realidade, mas será trabalhoso e precisará de muita paciência dos jogadores.

A perda financeira é recuperável ao longo do tempo, caso façam um bom trabalho. A maior dificuldade agora é limpar a imagem da empresa e reconquistar a confiança dos jogadores. Com sorte, em breve poderemos usufruir da experiência prometida e não precisaremos esperar até 2077.