O Justiceiro é o House of Cards da Marvel

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Fazia tempo que a Marvel não acertava em cheio com uma série distribuída pela Netflix. Aliás, me arrisco a dizer que acertou somente na primeira temporada de Demolidor (e metade da segunda) e na primeira temporada de Jessica Jones, que tiveram dois vilões extremamente competentes e protagonistas que conseguiam segurar a trama.

Depois de deixar um gosto amargo com Punho de Ferro e não conseguir grandes resultados com Defensores, a Casa das Ideias parece ter entendido que a solução para o sucesso d’O Justiceiro seria deixá-lo longe de tudo o que deu errado nas séries anteriores, ou seja, isolá-lo de todo o misticismo e até mesmo daquelas conexões inexistentes com o Universo Cinematográfico Marvel, e isso deu muito certo!

O Justiceiro é uma série extremamente densa, até mesmo para quem achava que estava acostumado com a violência exibida em Demolidor, mas vamos deixar claro que todo esse peso da série não se deve somente à violência explícita. Frank Castle é muito mais do que uma máquina de matar, e é exatamente isso que a série quer nos contar: todo o drama, o sofrimento e a loucura de Castle. Tudo isso vem à tona em forma de memórias, que o perturbam a todo momento, do tempo em que tinha sua família a seu lado e que o fazem lembrar o real motivo de ter chegado ao fundo do poço.

O ponto mais forte da série é sem dúvidas o elenco. Todos os novos personagens são extremamente cativantes e os atores entregam-se aos papéis de corpo e alma, com exceção da veterana Deborah Ann Woll, que mais uma vez entrega uma Karen Page que não agrega muito na construção do personagem e em suma está lá só pra dizer que existe uma conexão com a patota de Defensores, se não fosse a presença dela, você facilmente não se recordaria que o personagem foi apresentado em Demolidor.

John Bernthal, intérprete do Justiceiro/Frank Castle, dá literalmente um show de atuação, e se prova muito mais do que um brucutu emburrado, por diversas vezes você conseguia notar o desespero e o sofrimento no olhar do ator, que transmitia perfeitamente as emoções de Frank Castle. Outro grande destaque fica por conta de Ebon Moss-Bachrach, intérprete do Microchip, que apresenta uma relação divertidíssima com Castle ao longo de 12 episódios, que aumenta ainda mais o brilho da série, o personagem serve não apenas como alívio cômico (de maneira inteligente e sensata), como também é a âncora que liga Frank a seu lado humano e o lembra de que família é muito mais do que uma memória ruim.

Os vilões da série são extremamente bem construídos, talvez sejam os melhores até agora em uma série da Marvel distribuída pela Netflix, aliás, fazia tempo que não via um vilão como o interpretado por Paul Schulze, daqueles que são tão bons que você passa a sentir raiva deles. A jornada evolutiva de Billy Russo (interpretado com maestria por Ben Barnes), é excelente, o personagem ganha muito mais pano de fundo e importância em sua origem, e diferente de sua contraparte dos quadrinhos, não é apenas um simples gângster, e sim, uma representação de “dormindo com o inimigo”.

Talvez o único problema de Justiceiro seja a quantidade de episódios, mais uma vez a Marvel peca em colocar episódios demais em uma série que poderia ser resolvida perfeitamente em 10 episódios, em alguns momentos a série fica arrastada demais, o que pode cansar alguns espectadores, sem contar que como mencionado acima, somar essa lentidão à densidade da trama fazem de Justiceiro uma série diferente dos padrões atuais, em que se maratona uma temporada inteira em poucos dias (ou horas), talvez seja melhor absorver os episódios lentamente, afinal, essa é daquelas séries que te deixam com um vazio existencial quando acaba.

A grande sacada de Justiceiro é não apresentar um super herói e sim um humano quebrado, que quer a todo custo impedir que outros sofram o mesmo que ele sofreu, aliado a isso, temos a forte crítica ao “sonho americano”, o patriotismo e outras questões altamente pertinentes no cenário político americano atual. Embora a série critique abertamente problemas como a legalização de armas, justiça com as próprias mãos e guerras, tudo é feito de forma muito sutil e nada parece deslocado, muito pelo contrário, é uma ótima obra de ficção, mas no fundo sabemos que também é uma reprodução dos noticiários da vida real.

O sentimento deixado por O Justiceiro é o de que a Marvel funciona muito bem sem a própria Marvel, deixar de lado os assuntos dos Vingadores e companhia e focar-se nos personagens individualmente foi uma grande cartada para a série, e vamos ser sinceros, essa conexão unilateral já ficou cansativa, já que não temos algo concreto, melhor esquecer.

Assim como eu, você talvez tenha de se doutrinar para pegar o ritmo de Justiceiro, mas posso garantir que vale à pena, ao final do 13º episódio você estará em prantos se perguntando sobre a próxima temporada. Mais do que uma série de heróis, Justiceiro busca demonstrar toda a podridão e subversão das agências de segurança americana e o “efeito dominó”, queimas de arquivo, espionagem e toda a deturpação causada pelo ser humano fazem dessa série mais um acerto da Marvel, que parecia ter se esquecido do motivo de ter nos cativado no início de sua parceria com a Netflix.