[CRÍTICA] Cruella | O Coringa feminino, só que melhor!

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De um tempo pra cá no cinema, especialmente quando envolve a massa dos grandes estúdios, nota-se o espaço que vilões, sejam clássicos ou novos, vêm ganhando nas telonas. A ideia de colocar esses típicos antagonistas no papel de protagonistas, apesar de boa, poucas vezes funciona. A falha sempre aparece na má condução do roteiro, que por estar acostumado com benfeitores no núcleo principal, entrega não um vilão, mas um novo herói fajuto ou, no máximo, um anti-herói. Exemplos disso vêm com Malévola (2014) e Venom (2018), cuja áurea vilanesca se diminui na intenção de conquistar seu espectador ou na falta de ousadia do estúdio, Coringa (2019) é um dos que se salvam na lista, embora também tenha seus escorregões nesse quesito.

Com base nessa introdução, criamos um certo temor antes de assistir Cruella, principalmente pelo fato de ser uma produção Disney, estúdio que, mesmo tendo grandes sucessos em sua grade de filmes, carece de ousadia. É uma surpresa agradável, porém, quando recebemos uma obra parcialmente fora do comum da empresa do Mickey. A releitura da marcante vilã de 101 Dálmatas funde o clássico ao contemporâneo num choque visual maravilhosamente performado por Emma Stone.

De fato, entre os inúmeros personagens da Disney, Cruella de Vil é um dos poucos que se imaginaria ter uma história contada e, ainda sim, é de um peso enorme a responsabilidade que o diretor Craig Gillespie assume, uma vez que 101 Dálmatas se tornou um clássico duas vezes. Em 1961, com a animação original e em 1996, no live-action onde Glen Close cravou sua presença no papel da vilã em questão. Mas a origem apresentada por Gillespie para sua Cruella faz jus ao nome da personagem e felizmente, diferente da já citada Malévola, onde a Disney comete o erro de transformar uma de suas mais icônicas vilãs em uma criatura adorável (como dito anteriormente, um erro facilmente cometido com filmes nesta proposta), Cruella é a magistral construção da antagonista de 101 dálmatas, em partes, uma protagonista criada para não ser gostada.

‌Vou trazer para esse texto o recente Coringa, que assim como no longa da Disney, enaltece o vilão como um reles cidadão procurando compreensão pelos demais ao seu redor. A Cruella de Emma Stone, porém, carrega uma construção melhor elaborada ante aos espectadores, uma vez que alguns veem o palhaço da DC criado por Todd Phillips como uma vítima da sociedade. Cruella, todavia, surge desde cedo exalando uma essência malvada, delirante, um fato escancarado pelo roteiro no filme, além de sempre demonstrar sua força e poder, não se contentando com a mediocridade.

Cruella é quase que uma recriação de O Diabo Veste Prada (2006), ainda que a Miranda Priestly de Maryl Streep em si já traga um pouco da personagem vivida por Glen Close em 1996, o novo longa da Disney parte dessa base para criar tanto sua protagonista quanto sua antagonista, tendo aqui Emma Thompson interpretando a Baronesa, magnata da moda da vez. E mesmo que Thompson não atinja o patamar que só Meryl Streep consegue, sua performance convence na entrega de uma boa personagem, que por sinal, ao lado de Emma Stone, encabeça a exuberância dos figurinos e penteados criados por Jenny Beavan, trazendo alguns dos vários impactos visuais que o longa entrega.

A trilha sonora de Nicholas Britell é outro elemento que agrega muito à obra, trazendo hits de Nina Simone, Blondie, Tina Turner e muitos outros, que ajudam a compor a atmosfera setentista da trama e aumentam ainda mais a imersão.

A dinâmica entre Stone e Thompson é fabulosa. A protagonista carrega o filme em suas costas através de seus olhares sádicos por onde a personalidade de Cruella se desbrava, tal dinâmica ofusca a atuação dos demais, que mesmo com bons personagens – como Horácio (Paul Walter Hauser), Jasper (Joel Fry) e Artie (John McCrea) – mal recebem o destaque merecido. O embate entre as estilistas vividas pelas duas Emma corre por todo o longa e garante bons momentos e um leve plot twist, todavia, o roteiro pouco sai disso e cria um ciclo vicioso em sua trama. Cruella no fim das contas é o encontro de duas rivais igualitárias cuja índole maléfica é exatamente a mesma, fazendo assim com que a mais nova assuma o papel da mais velha, dois lados de uma moeda.  Nesse resultado, o filme perde parte de sua identidade, não pelo desfecho escolhido – que por sinal condiz com a personagem de Emma Stone – mas pela falta de imaginação na personalidade da Baronesa

Cruella é o tipo de filme cuja realização jamais seria pedida. Colocar uma vilã deste patamar como protagonista de um longa metragem é uma escolha fatalmente resultante de uma falta de imaginação do estúdio, todavia, uma vez feito, é um deleite visual a se aproveitar.‌ Em suma, Cruella acaba sendo uma ótima adaptação da Disney em sua nova era de reinvenção de personagens clássicos, entregando uma personagem forte, de presença constante e que não mancha a identidade do original, além de felizmente não cometer o erro de colocar sua protagonista uma heroína moderna.

Parafraseando o que disse o próprio 101 Dálmatas de 1996, “Cruella é, para todos os efeito, uma boa vilã”.