Os X-Men precisam parar de abordar preconceitos através de metáforas

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“É uma boa queda do segundo andar. Rahne se torna híbrida – parte humana, parte loba. Combinando os melhores elementos de cada espécie. No chão, ela se torna uma loba completa… Ao seu redor, o mundo se torna mágico, um fantástico caleidoscópio de luz, som e cor, que ela não poderia ver se fosse humana.”

Os Novos Mutantes #26

Atualmente, nos quadrinhos, os mutantes estão “mortos” (como sempre). Eles não estão exatamente mortos (como sempre), mas protagonizando um evento próprio (como sempre) chamado “Era do X-Man”, no qual vivem felizes e satisfeitos numa realidade alternativa utópica (isso também não é novidade). Yay!

Claro que nem todos ganharam passagens para esse mundo super legal. Portanto, alguns mutantes continuam no universo regular, como Ciclope, Wolverine, Pó, Destrutor, Dup, etc.

Entre esses “sobreviventes”, estava a Rahne Sinclair, conhecida como Lupina. Esse pode não ser um nome onipresente no imaginário dos fãs de super-heróis (especialmente dos que não leem quadrinhos), mas digamos que ela sempre teve lá a sua importância e vai até aparecer no filme dos Novos Mutantes, interpretado pela Maisie Williams (Game of Thrones).

Se é que teremos esse filme…

O que interessa mesmo é que, nas mais recentes edições de Fabulosos X-Men, a revista que trata dos mutantes que permaneceram no universo regular da Marvel, tivemos a infeliz morte da Lupina.

A pior parte não foi ver a personagem ser gratuitamente espancada por quatro homens, uma morte bem diferente da que a que a maioria dos heróis ganha. A pior parte também não foi ver essa morte de uma personagem feminina sendo usada para motivar personagens masculinos, num caso mais do que clássico de “women in refrigerators”.

A pior parte é que, apesar de ser gráfica, violenta e impactante, os quadrinhos dos X-Men ainda retratam a morte e a situação como “metáforas” do mundo real. E os fãs (nem todos, uma vez que existiram várias críticas ao quadrinho) continuam aceitando essa política de “representatividade” dos mutantes.

No contexto da edição 17, a personagem foi abordada pelos homens, não teve interesse na oferta de sair com eles, que insistiram incisivamente. Se deixando levar pelo estresse da situação de assédio, Rahne, que tinha decidido parar de lutar e ser “normal”, acaba revelando sua forma de loba, de maneira acidental. Sendo descoberta como uma mutante, ela é espancada pelo grupo.

“Então é assim, aberração? Você sai para enganar caras normais, é?”, um deles diz, empurrando Rahne no chão, e continua, enquanto a chuta: “Achou que podia nos enganar, cachorra? Pare de fingir que é uma garota normal!”.

A cena poderia se aplicar a uma pessoa trans. Existem casos muito similares na vida real.

A própria palavra utilizada no original, “trap”, é um termo popular, mesmo no Brasil, para se referir às pessoas trans. E isso não foi acidental, foi o direcionamento exato que o  escritor Matthew Rosenberg buscou.

E eu até entenderia o propósito dele. Só que não existem pessoas trans de destaque no universo Marvel. Nem nos X-Men, cujos fãs adoram levantar a bandeira da diversidade e inclusão. E não falamos só de pessoas trans: as formações dos X-Men costumam contar majoritariamente com personagens que não são minorias em qualquer coisa que não seja o gene X.

Eu realmente espero que a Marvel e os fãs de X-Men não pensem que a existência da equipe enquanto “veículo de metáforas” solucione todos os problemas de representatividade nos quadrinhos. Atualmente, não parece se esforçar em solucionar nenhum.

Não adianta metaforizar a violência contra um grupo com personagens que não são desse grupo. O que se normaliza com isso é a violência, não essas pessoas. E essa edição é o exemplo mais claro disso.

Vemos a violência contra uma pessoa trans, mas não vemos nenhuma pessoa trans. Vemos uma mulher sendo espancada no chão, mas a cena do Wolverine fatiando os assassinos dela é censurada. Vemos tanto sobre violência, morte, perseguição, mas não vemos as pessoas que sofrem com isso. Por quê?

O Wolverine é legal. Mas ele representa qual minoria mesmo? Todas de uma vez? A Marvel parece achar que sim.