[CRÍTICA] Watchmen – 1ª Temporada | O fim está próximo…

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Lançada em 1986, Watchmen é considerada por muitos, uma das melhores histórias em quadrinhos já feitas e não é para menos: a trama concebida por Alan Moore é extremamente densa, cheia de reviravoltas e com críticas fortes a diversos temas sensíveis, onde o escritor usou o período em que o mundo vivia para satirizar e desconstruir o conceito de super-heróis, algo que já era popular na época.

Watchmen retratava uma realidade alternativa do nosso mundo em que heróis surgiram na década de 40 e 60 e participaram de diversos momentos importantes da história mundial, sendo o mais frisado a vitória dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, graças ao auxílio do super-herói com poderes semelhantes aos de um deus conhecido como Dr. Manhattan. Além disso, o escândalo do Watergate, envolvendo o então presidente Richard Nixon nunca foi descoberto, fazendo com que a nação americana vivesse o melhor momento de sua história. No ano de 1985, os EUA estão à margem da Terceira Guerra Mundial com a União Soviética e os vigilantes foram marcados como foras-da-lei, fazendo com que a maioria escolhesse a aposentadoria forçada ou fosse trabalhar a serviço do governo americano. Após o vigilante de codinome Comediante ser assassinado de forma brutal e misteriosa, seu antigo colega, Rorschach, conduz uma investigação que irá fazer com que ele adentre numa espiral de segredos em que veremos que por trás das máscaras, temos pessoas problemáticas e com segredos obscuros.

Zack Snyder adaptou a história para o cinema, em um único filme, no ano de 2009, tendo recebido críticas divisivas sobre suas escolhas, inclusive na decisão de alterar o final para torná-la mais “realista”. E como não poderia ser diferente, Alan Moore desaprovou a adaptação, já que o escritor raramente concorda com as adaptações de suas obras.

Em 2018, a HBO anunciou uma série de Watchmen. Inicialmente, muitos foram tomados de curiosidade para saber como isso seria feito e então, uma notícia deixou muitos preocupados: a série de Watchmen seria uma sequência da HQ, passando-se mais de 30 anos após o final da graphic novel. Essa preocupação é perfeitamente plausível, já que a última vez que uma história sem Alan Moore foi contada naquele universo, o resultado acabou sendo um verdadeiro desastre em forma de revista conhecido como Before Watchmen, prelúdios em que toda a essência da história original foi sacrificada em prol de tramas mais “acessíveis ao público”, o total oposto da ideia original, já que Moore produziu uma trama pesada, densa, violenta e cheia de alfinetadas ao estilo de vida da época.

Para dar vida à série, a HBO chamou Damon Lindeloff, que assumiria o papel de roteirista e produtor executivo. Lindeloff possui um vasto currículo, que inclui sucessos como Lost e The Leftovers, além de ser um grande fã da revista original. Produzir uma boa sequência é uma tarefa bem difícil e produzir uma sequência de um material que não foi sua criação, mais de 30 anos depois de seu lançamento, parecia uma tarefa ainda mais impossível. Felizmente, Lindeloff entendeu bem a mensagem da HQ e conseguiu produzir uma história original, sem a necessidade de tentar copiar Moore, atualizando a trama e respeitando a narrativa original.

A forma com que Lindeloff reimagina o mundo de Watchmen nos dias de hoje é simplesmente brilhante, tendo como norte os eventos mais importantes do quadrinho, mas conseguindo desenvolver a história sem precisar apoiar-se constantemente no passado e, justamente por isso, a trama acaba ganhando ares de imprevisibilidade constante. Ao contrário da ameaça nuclear da guerra de 1985, a série apresenta uma trama principal centrada na cidade de Tulsa, no estado de Oklahoma. A narrativa foca na tensão racial envolvendo o grupo supremacista conhecido como a Sétima Kavalaria, um “filho” do Diário de Rorschach – e o departamento de polícia de Tulsa, em que policiais locais precisaram esconder seus rostos com máscaras após o evento conhecido como “Noite Branca”, em que supremacistas da Kavalaria invadiram casas de policias e os massacraram.

Somos então apresentados a detetive afrodescendente Angela Abar, interpretada por Regina King, que é a vigilante conhecida como Sister Night. Após o assassinato de um amigo próximo, ela começa uma investigação por conta própria e percebe que há uma conspiração na cidade que ameaça a segurança global.

Por mais que a série de Watchmen seja uma sequência da história em quadrinhos, não é necessário que você tenha lido a mesma. Os fatos mais importantes do quadrinho são mencionados e explicados no decorrer da série, de forma bem direta e clara, mas fica óbvio que aqueles que leram a história irão pegar muito mais referências e terão boas surpresas ao ver personagens da trama original retornando, diferentes após os acontecimentos de 30 anos atrás.

Para desenrolar a trama, ocorrida no ano de 2019, Lindeloff utiliza-se de diversas linhas temporais que possuem sempre algum propósito: seja dar background para aqueles que não leram a história original ou explicar um dos mistérios da trama que surge ao longo dos episódios. Geralmente, usar diversas linhas de tempo pode tornar a trama cansativa e confusa, mas aqui, o escritor consegue ser bem inteligente por utilizar este recurso de forma clara e sempre trazendo algum propósito importante à trama, fazendo com que você jamais sinta que aquele fato foi inserido ali com intenção de enrolar o espectador.

O ritmo dos nove episódios de Watchmen é muito bem delineado, para manter o espectador constantemente intrigado pelos acontecimentos, muitas vezes insólitos e imprevisíveis, onde o roteirista brinca constantemente como absurdo e abraça a crítica de Moore aos heróis, desconstruindo os mesmos e satirizando-os – e ainda tendo espaço para apresentar novos, que conseguem ser bem ridículos, representando verdadeiras sátiras. Os dois primeiros episódios de Watchmen podem ser cansativos para muitos, já que diversas perguntas são lançadas constantemente e as respostas começam a surgir apenas no terceiro episódio, de forma muito fracionada. Uma das tramas principais envolve Adrian Veidt, o Ozymandias, e só temos a conclusão completa do seu arco, no nono episódio da série, que vem a ser seu último. Por falar em conclusão, Lindeloff consegue concluir a temporada de forma coerente, respondendo todas as perguntas lançadas no decorrer da série, mas ao mesmo tempo, deixa migalhas para o caso de precisar retornar para produzir uma segunda temporada.

Com um elenco rodeado de atores talentosos, não é espanto nenhum que a atuação dos mesmos seja destaque. A personagem principal é interpretada por Regina King, que dá um verdadeiro show de atuação, principalmente quando tenta entender as loucuras que surgem durante a sua investigação. A heroína é muito bem construída e desenvolvida ao longo dos episódios, não deixando nada a desejar aos personagens clássicos. Outro ator que rouba a cena é o veterano Jeremy Irons no papel de Adrian Veidt, um dos heróis mais importantes da trama original. Irons consegue captar perfeitamente a excentricidade de Ozymandias e rouba a cena todas as vezes que está em tela. Wade Tillman, interpretado pelo excelente Tim Blake Nelson, é o herói Looking Glass, um policial que tem claras influências de Rorschach na sua criação, mas à medida que vamos acompanhando a narrativa, percebemos o quão diferente ambos são e como o mesmo é intrigante, principalmente ao conhecermos seu passado. Por último, e não menos importante, a experiente atriz Jean Smart interpreta Laurie Juspeczyk, a Espectral, outro personagem da trama clássica que retorna. Com uma personalidade diferente, por consequência dos acontecimentos dos 30 anos, e agora, agente do FBI, também consegue ter cenas memoráveis toda vez que está em tela, com seu humor ácido e raciocínio afiado. Vale citar que os figurinos são espetaculares e criativos, com influências claras dos quadrinhos.

Um dos pontos altos da série é sua trilha sonora. Cada canção escolhida tem um propósito ali, que Lindeloff muitas vezes deixa de forma bem sutil. Em alguns momentos, você vê que as faixas são tão bem escolhidas que parecem que foram escritas justamente para ilustrar os acontecimentos da série. A edição da série é soberba, com o episódio 6 sendo um dos grandes destaques. Diversas transições de cena são feitas de forma genial, muitas vezes dando dicas da própria trama, que apenas os mais atentos irão perceber. Os efeitos especiais são fantásticos, mas não perfeitos. Ao mesmo tempo que temos uma recriação fenomenal e corajosa de um dos momentos mais emblemáticos da graphic novel, essa qualidade não está presente sempre, mas essas ocasiões são raras e não tiram o brilho da série.

Watchmen apresenta-se como uma das melhores surpresas do ano. Com Damon Lindeloff respeitando o material original apresentando uma trama envolvente e coesa, abraçando a essência da graphic novel, desconstruindo e satirizando heróis com diversas críticas afiadas a temas polêmicos, a série consegue ser uma sequência digna do material original.