The Knights of Pendragon Vol. 1 | Único e Eterno

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“As coisas se separam; o centro cede; Anarquia pura é solta ao mundo, libera a maré de sangue escuro, e afoga da inocência o rito onde for; Aos melhores falta a crença, enquanto os piores se cercam de apaixonada intensidade.”

The Second Coming (O Segundo Advento)
Por W. B. Yeats

 É esse trecho de um poema quase secular de W. B. Yeats que inicia The Knights of Pendragon, revista mensal publicada pelo selo britânico da Marvel (Marvel UK) entre 1990 e 1991 e escrita por Dan Abnett e John Tomlinson, com os desenhos de Gary Erskine. E a famosa passagem não excede regra no quadrinho onde todas as 18 edições que compõem o seu primeiro volume se iniciam com trechos literários diversos.

Aliás, quem dera ver aí o fim da influência clássico-literária em um título que se monta e baseia fortemente na mitologia do Rei Artur. Não que seja uma novidade completa. O Capitão Britânia de Alan Moore e a Excalibur de Chris Claremont já haviam remontado o mito, mas nunca ousaram tanto quanto The Knights of Pendragon ousou.

Embora aqui e acolá vejamos participações do próprio Capitão Britânia e do QUEM – O Quartel das Eventualidades Misteriosas – os verdadeiros protagonistas não ostentam tanta grife, sendo, via de regra, pessoas comuns possuídas por espíritos ancestrais de Cavaleiros da Távola Redonda e seus associados através do poder da entidade mística Pendragon, que também remete aos contos arturianos.

O volume se divide em dois arcos que dialogam entre si, embora mantenham perspectivas diferentes sobre o mesmo problema. No primeiro, batizado de “Once and Future” (Único e Eterno, em tradução livre), vemos o espírito de Sir Gawain lentamente tomar o corpo do conhecido inspetor-chefe da Scotland Yard, Dai Thomas, através de mensagens proféticas sobre um apocalipse vindouro.

Uma após a outra, as mensagens se concretizam em desastres de proporções absurdas, que normalmente deixam um severo impacto ambiental onde quer que aconteçam. E tudo está relacionado com uma misteriosa empresa, a Corporação Omni.

“Olhe ao seu redor, garoto – o mundo que seus líderes sem visão criaram. Um mundo onde chuva é veneno e luz do Sol é morte. Não fale comigo sobre crime. Você devia se envergonhar por vestir essa bandeira.”

As operações suspeitas dessa empresa levam o inspetor-chefe e Kate McCellan, uma repórter curiosa, a cruzar o globo através de respostas, ilustrando o impacto ambiental que a ganância corporativa causa, ao passo em que não são apenas perseguidos pela Corporação Omni, mas pela própria lei que tentam defender.

Não fosse antecessora da obra, O Segundo Advento de Yeats poderia ser considerada a melhor descrição poética para os acontecimentos que se desenrolam em Único e Eterno, como o momento em que o Capitão Britânia, representando Lancelot, enfrenta Gawain sob o testemunho de Guinevere em uma das mais belas páginas de todo o título.

Possuído por Lancelot, o Capitão Britânia impiedosamente espanca Dai Thomas/Sir Gawain até a morte.

O arco seguinte nos apresenta o restante dos cavaleiros escolhidos por Pendragon para buscar o equilíbrio entre a humanidade e a natureza e desenvolve os mistérios sobre a Corporação Omni. O inimigo não é mais a humanidade, mas sim a própria antítese de tudo que Pendragon representa: Uma entidade conhecida como Bane.

Sem medo de ser muito ufanista ou muito alexandrino, o quadrinho enche de essência suas figuras heroicas como o Union Jack e Albion, dotando-os de humanidade relatável, ao mesmo tempo em que questiona a própria sociedade que cospe nos mesmíssimos ídolos e mitologia. Ou, como Yeats já disse melhor: “Aos melhores falta a crença”.

Flertando cada vez mais com o heroísmo clássico (que também remete diretamente ao código dos cavaleiros), a conclusão do volume apresenta incríveis parcerias dos Cavaleiros de Pendragon com heróis conhecidos como o Homem de Ferro e o Pantera Negra.

“[Esses heróis] não significaram muito para as pessoas?” “É claro que sim. Mas não significam mais nada nesses dias e nessa era. Não mais.”
 Ao criticar sutilmente o status quo com pitadas generosas de mitologia e um clima sinistro de mistério e horror visceral (muito engrandecido pela arte fantástica de Erskine), The Knights of Pendragon se faz um clássico quadrinho britânico que, por acaso, acaba contando com super-heróis em seu elenco.

Seu legado, embora tão turvo quanto a maré de sangue citada por Yeats, é também tão visível quanto os avisos de Sir Gawain sobre o futuro da humanidade. Basta saber onde procurar.