Mad Max: Estrada da Fúria continua sendo o melhor filme dessa década e eu posso provar!

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Em 2015, um veterano diretor saiu da “aposentadoria” para dar continuidade a uma das franquias mais famosas e importantes do cinema de ação. O saldo final dessa empreitada foi aclamação unânime pela crítica e público, seis Oscar e o melhor filme dessa década. Mesmo com o cinema sendo cada vez mais bombardeado com grandes lançamentos e sucessos avassaladores, nenhum conseguiu superar Mad Max: Estrada da Fúria.

A obra-prima da carreira do diretor australiano George Miller não é somente o ápice da evolução dos efeitos visuais, como também é um filme único, cheio de identidade e indubitavelmente relevante. Em tempos de um cinema superficial e fácil de mastigar, o cineasta dá uma aula de narrativa e provocação em um dos maiores blockbusters de todos os tempos, envolvendo diversos temas sobre a natureza humana.

O cenário pós-apocalíptico traz o vislumbre de uma sociedade organizada em torno da figura de Immortan Joe, que se apresenta como um líder e salvador. Entretanto, o governante é um tirano que se apropriou dos meios de produção e do meio-ambiente com o objetivo de firmar seu domínio sobre os mais necessitados. Desta forma, tendo o controle sobre a água e os alimentos, Immortan Joe detinha o poder absoluto, destruindo, explorando e oprimindo, sem que ninguém se opusesse ou reclamasse o direito de também poder usufruir do básico para viver.

Uma das questões que Miller quis abordar como característica principal, foi o crescente protagonismo feminino no audiovisual. Os primeiros filmes de Mad Max datam da mesma época que outros clássicos como Alien: O Oitavo Passageiro, Exterminador do Futuro e Star Wars: O Império Contra-Ataca, que foram pioneiros ao destacar mulheres como protagonistas em épocas onde os homens dominavam o imaginário do público como figura de heroísmo, incluindo o solitário Max Rockantasky.

Em Estrada da Fúria, o diretor desconstrói a imagem do lobo solitário salvando a mocinha em perigo. Aqui, o protagonismo de Max é subvertido e a história passa a girar em torno da Imperatriz Furiosa e suas motivações. A personagem de Charlize Theron passa a ser a figura central e comanda a narrativa libertando outras mulheres e a si mesma da opressão de Immortan Joe. Sobretudo, a sororidade da Imperatriz Furiosa e apoio mútuo entre todas as mulheres – incluindo o clã das Vuvalinis – dão ainda mais autenticidade para o desenvolvimento da trama.

Tal destaque aparece tanto de forma macro, com as legiões do vilão perseguindo a heroína e as esposas, como de forma micro, com Furiosa usando Max de apoio para poder atirar. Transformando o subtexto feminista em texto sempre que podem, Miller e Theron não só entregaram um filme sobre empoderamento e libertação, como também uma das maiores personagens femininas do cinema.

O significado de humanidade é deturpado no mundo pós-apocalíptico. A linha que separa os seres humanos de objetos passa a ser tênue, quando é mostrado que pessoas são utilizadas para fins repulsivos, e às vezes, sem consentimento. O exemplo mais latente dessa coisificação é quando Max é sequestrado, violentado e passa a ser usado como uma bolsa de sangue para nutrir o garoto de guerra Nux, e logo após, vira apoio para o carro na primeira grande perseguição.

Já as mulheres, têm dois destinos para a sobrevivência: Virar ‘parideiras’ ou oferecer leite materno como alimento. Em ambos os casos, seres humanos agora servem como ferramentas do sistema e engrenagens que fazem a roda girar independente do que possa acontecer à essas pessoas ou as condições dos processos.

Além de virarem ferramentas sem voz ou vontade, as mulheres que eram consideradas as mais belas passavam a viver como esposas do governante tirano, ou seja, tornavam-se escravas com finalidade sexual ou reprodutiva. A objetificação exacerbada sob as jovens parideiras é tamanha, que o desenrolar da história só começa de fato quando elas partem escondidas com a Furiosa.

Elas são a posse mais cobiçada daquele local, e apenas a autoridade máxima pode tocar nas moças. A relação possessiva logo se mostra como pura e simples escravização. Juntamente com o protagonismo feminino, a desconstrução de ideias acerca da objetificação das mulheres é um dos pontos-chave da obra. A todo momento, frisando que elas não são objetos e merecem uma vida sem amarras ou servidão forçada.

A distopia também não poupa os homens. Especialmente o exército dos garotos de guerra, desprovidos de qualquer bom senso do certo ou errado e fazendo as vontades dos seus superiores sem questionamentos. É a representação da manipulação mental de jovens para a serventia e, eventualmente, sacrifício em nome de um deus. Portanto, sem nenhum resquício de autopreservação, acabam se convertendo em buchas de canhão completamente dispensáveis.

Há ainda, a aprovação no Teste de Bechdel, que é basicamente um teste para avaliar se um filme faz bom uso de personagens femininas. Visto que, na maioria, a mulher só cumpre a função de “donzela em perigo” ou interesse amoroso do herói. O que certamente não é o caso de Estrada da Fúria. George Miller uniu indagações diversas de modo brilhante e primoroso, construindo e desenvolvendo arcos excepcionais a respeito das dimensões dos personagens e a persistência pela sobrevivência num ambiente infértil e atroz.

Mad Max: Estrada da Fúria é um marco cinematográfico e a redefinição do gênero da ação. Mesmo a Academia do Oscar tendo enxergado o longa somente pelas ‘beiradas’, premiando exclusivamente as categorias técnicas, o tempo prova cada vez mais a resistência e importância desse espetáculo pós-apocalíptico carregado de substância. Vai muito além de carros, explosões e guitarras flamejantes; é o conteúdo do mais visceral, poderoso e realista que o cinema recente já ofereceu. A ópera do desespero e loucura magistralmente comandada por George Miller continua sendo o melhor filme dessa década.