Superman | Quando um estigma sexual atinge um… desenho

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O escritor Tom Taylor anunciou, em outubro, que o filho de Clark Kent e recente detentor do manto de Superman, Jon Kent, se assume bissexual. A revelação que subiu aos trending topics do Twitter e chamou a atenção dos mais diversos veículos de imprensa, dos bloggers aos tradicionais, se misturou, no Brasil, com outras duas situações e complementou mais uma discussão sobre a legitimidade de ser preconceituoso.

Enquanto Taylor filtra o hate sobre a sua nova história e ironiza as denúncias de “fim da era dos quadrinhos”, mostrando que cresceu o interesse e os números de venda na história de Jon, a notícia se espalhava pelo zap e o jogador de vôlei, ex-Minas Tênis Clube e Seleção Brasileira, Mauricio Souza, expôs seu descontentamento com a situação.

“Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, disse em sua conta no Instagram, replicando a cena do beijo entre Jon e o namorado, Jay Nakamura. Não bastasse a repercussão do Superman nos quadrinhos, o podcaster Monark, do Flow Podcast, alimenta uma briga sobre as “crescentes” restrições de liberdade de expressão e opinião no País.

É homofobia, sim! 

O termo homofobia foi criado e publicado inicialmente durante a década de 1960, pelo pesquisador George Weinberg, relacionando a brutalidade do meio heterossexual com a homossexualidade como um medo – do contágio; de como aquelas pessoas conflituam com suas crenças de família e constituição do lar. Além disso, homofobia é um problema social enraizado que também atinge as relações afetivas entre homens héteros. 

Weinberg em seu artigo intitulado “Words for the new culture”, de 1971, aponta como a homofobia existe nas relações entre amigos homens e até entre pais e filhos, de forma pouco comum no meio feminino. Ou seja, não é só o ódio contra pessoas do mesmo sexo tendo relações afetivas, mas também um medo de ser essa pessoa, gerando relações pouco afetuosas fisica e emocionalmente, limites do que se pode fazer para ser suficientemente homem etc. 

É importante destacar que a violência contra a dignidade e o valor do ser humano está no cerne da homofobia. O preconceituoso acredita que quem não se enquadra nos padrões sociais aceitáveis devem ser repreendidos e essas minorias não fazem parte daquilo que deve ser representado culturalmente. Caso sejam, que haja pouco ou não tenham tanta relevância – dá para desenhar com a indignação de certo público pela declaração do cineasta Jordan Peele sobre não trabalhar com protagonistas brancos. 

Vê-se na ocasião do Jon Kent (tal como nas diversas outras críticas contra a representatividade de minorias nos quadrinhos) que muitos tentam sustentar seus ideais no significado que essa diversidade possa ter para os mais jovens e crianças. Porém, o discurso puritano dos críticos ignora a presença histórica de beijos e tensão sexual entre casais de super-heróis héteros nas HQs, desenhos e filmes, sem contar a acessibilidade a conteúdos quase pornográficos nas mídias orientais, como mangás e animes. 

Tão fácil ignorar a sexualização e objetificação feminina nos quadrinhos…

Como réplica após sua demissão do time de vôlei do Minas, Maurício Souza utilizou a imagem de um beijo entre o Superman e a Mulher-Maravilha (hiper-sexualizada, por sinal) como referência ao que acredita ser culturalmente correto e, supostamente, parte do que a “indústria lacradora” luta contra.

Censura contra a “liberdade de opinião”?

Como um estigma que a população LGBTQIA+ precisa carregar, ainda há quem tente forçar que o debate é apenas uma questão de opinião. Sendo a homofobia um comportamento enraizado socialmente, como já dito, a população mais conservadora, principalmente religiosa, acredita que tem o dever de se expor em defesa dos “bons costumes”.  

Acontece que o mundo não é tão preto-no-branco como a liga das liberdades individuais tenta pintar. O professor Gregory Herek, pesquisador de relações de gênero e minorias sexuais, acrescenta que o estigma sexual é uma marca de condenação social. “Uma vez que sabem sobre o status estigmatizado de uma pessoa, os outros respondem ao indivíduo principalmente em termos disso”, diz em seu artigo “Beyond ‘Homophobia’: Thinking About Sexual Prejudice and Stigma in the Twenty-First Century”. 

Palavras como as do jogador e de outros famosos, dentre grandes atores e servidores públicos de alto escalão, reforçam uma estrutura social preconceituosa e incitam o ódio, mesmo que de forma oculta, pois a homofobia não é avulsa da violência. O maior trabalho dos ativistas LGBTQIA+, hoje, talvez seja a tentativa de desassociar a LGBTfobia unicamente da violência física, dando importância ao discurso que torna legítimas as agressões. A retaliação ao discurso de ódio disfarçado inocentemente de opinião tem grande importância na sustentação da luta.   

Fiscalização na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, que recolheu HQs da Marvel por conter beijo gay.

Dentro do contexto Superman-Mauricio-Monark, algo que chama a atenção são as narrativas que alegam uma realidade ditatorial, em que a opinião “diferente” e tradicional (em vários casos, apenas maldosa) é suprimida. Entretanto, o jogador, assim como qualquer pessoa pública, não é censurado de expor sua opinião. Ele exerceu um direito civil, mas toda ação tem uma reação.

Parece desespero

Estão destruindo minha infância!

O fato é que Mauricio foi demitido por pressão dos patrocinadores, como indica um suposto áudio vazado do diretor do clube, Elói Lacerda de Oliveira, que releva o ato homofóbico e sai em defesa dos valores do jogador. Não houve restrição de fala, mas uma consequência determinada justamente pelo mercado. 

Se ainda restam dúvidas do poder das palavras como pilares de uma sociedade preconceituosa e potencialmente violenta, a mobilização da polícia de Los Angeles para assegurar os artistas da DC após ameaças de morte pela revelação de Jon Kent como bissexual, como noticiado pelo TMZ, é uma ótima exemplificação.

Um dos maiores benefícios de tamanha polêmica envolvendo um personagem do cacife do Superman talvez tenha sido a comprovação de que muitos dos “fãs indignados” de quadrinhos, relutantes em entregar seus universos para as minorias, sequer leem gibis. Muitos não tinham ideia de que o Superman assumido bissexual não é o Clark Kent, mas sim seu filho (parte não sabia sequer que o personagem tem um filho). 

Enfim, não é possível deixar de considerar a jogada de marketing da DC, que pode ter atraído novos fãs e abrangeu ainda mais representatividade. Pouco tempo após a revelação, o roteirista Tom Taylor divulgou em seu Twitter que a revista estava recebendo uma nova tiragem pela alta demanda, ao contrário do fracasso “pela lacração” que os mais conservadores ameaçam. 

Se a DC era um refúgio dos preconceituosos nos últimos anos pelas grandes investidas da concorrente mais direta, Marvel, em inclusão social e representatividade, é provável que esse público fique ainda mais sem buracos para se esconder a partir de agora. Colocar o primeiro e maior símbolo dos super-heróis em uma bandeira tão polêmica é corajoso e, talvez, o melhor símbolo de mudança que o editorial “Future State” poderia representar.