A culpa é da Marvel

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Tem se tornado um clichê: alguém reclama de alguma produção dos estúdios da Marvel e, de algum canto profundo do Inferno, surge uma alma penada para dizer que “a culpa é sua, você criou expectativas demais”.

Eu não discordo que as expectativas altamente exageradas têm afetado a maneira como as pessoas aproveitam os filmes de super-heróis em geral, mas não é culpa delas. A culpa é da Marvel.

Além de super-heróis coloridos e animados, o que a Marvel vende melhor são expectativas. O propósito de fazer um universo compartilhado não é realizar seus sonhos de infância, é ganhar cada vez mais dinheiro, porque um filme nunca será o suficiente para você. Até uma história de encerramento de arcos, como Vingadores: Ultimato, deixa ganchos para novas produções como WandaVision, Loki, Falcão e o Soldado Invernal, as primeiras séries originais do MCU, que, por sua vez, geraram outras produções.

Quando Falcão e o Soldado Invernal termina com o Sam Wilson como Capitão América, eles não estão vendendo Capitão América 4, porque Capitão América 4 ainda não existe. Eles estão vendendo expectativas para Capitão América 4. Se vocês compram essas expectativas, o filme tem sinal verde para existir.

É o maior esquema de pirâmide cinematográfica que existe, mas tudo bem até aí. Estamos cientes e queremos continuar. Expectativas são uma parte normal do processo. Não tem nada errado em comprar as expectativas que o estúdio vende. O problema é que o estúdio descobriu que pode colocar um espaço vazio na tela e deixar os espectadores especularem livremente: “Quem ou o quê foi apagado digitalmente nesse trailer?”

Nós vimos isso em Capitão América: Guerra Civil, em Vingadores: Guerra Infinita, em Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Provavelmente em outros que não me lembro, em maior ou menor grau. Personagens digitalmente apagados de cenas ou cenas que não existem no filme tendo destaque no trailer. As pessoas simplesmente se acostumaram a enxergar além do que realmente existe.

Eu não sou contra trailers que enganam com diálogos fora de ordem, cenas sem contexto, tomadas de ângulos alternativos; a montagem de um trailer é, por si só, um tipo diferente de arte, que vai exigir esses recursos. O problema é acostumar os espectadores a consumir cenas completamente falsas ou incompletas nos materiais de divulgação.

Fazendo isso, a Marvel abriu uma porta muita difícil de fechar: a porta da imaginação. Montes de nerds com tempo livre e imaginação assistindo aos trailers repetidas vezes para teorizar não sobre o que está na tela, mas sobre o que pode ter sido ocultado. Ou pior, derretendo os cérebros com horas de canais de teorias no YouTube.

Então, se as pessoas não gostaram do filme mais recente só porque o Homem de Ferro Superior interpretado pelo Tom Cruise não apareceu (hahahaha?), eu não posso culpá-los. A Marvel está permitindo que sonhos sem fundo seja vendidos. Ela até gosta. Porque, quanto mais vocês acreditarem em surpresas ocultas, mais ingressos vocês compram.

Pessoalmente, penso que a Marvel deveria interromper essa prática. Eu quero muito assistir aos trailers só pelo conteúdo, não para tentar discernir o que é real do que não é. Não quero jogar seus jogos de amor e mentiras, Marvel, só quero me divertir. Além disso, a Sony começou a copiar esse método com os trailers de Morbius e foi uma das vigarices mais ridículas dos últimos tempos. Como o filme.