[ANÁLISE] Far Cry 6 | Aposta no que deu certo que é sucesso

1
765

Far Cry é uma das séries mais amadas da gigante Ubisoft. O terceiro título é considerado por muitos o melhor da franquia. Na aventura, o jogador controlava o playboy mimado Jason em uma ilha paradisíaca tomada por piratas, que eram liderados pelo lunático Vaas Montenegro, que havia tomado os amigos do rapaz como reféns, obrigando Jason a se virar com o que encontrasse.

Os títulos da série seguem a mesma cartilha: o protagonista é jogado em um local afastado e precisa encontrar um meio de derrubar um vilão perigosíssimo, precisando sobreviver à vida selvagem e a um exército de bandidos. Para tal, você precisa usar todos os recursos que encontrar em seu caminho e estabelecer alianças locais.

O quinto jogo da franquia principal causou bastante polêmica por tratar de assuntos delicados como o crescimento dos movimentos de extrema direita e o fanatismo religioso, mas não conseguiu ser unanimidade entre os fãs, com as principais queixas sendo relacionadas ao conteúdo repetitivo e o personagem mudo e sem personalidade.

Far Cry 6 promete utilizar a fórmula da franquia da melhor forma possível, sendo o título que os jogadores esperam desde o terceiro jogo da série. Será que ele conseguirá entregar uma experiência divertida ou cairá no fantasma da repetição exaustiva?

Um regime cruel

Na trama, o jogador conhecerá a ilha tropical fictícia de Yara, inspirada fortemente em Cuba dos dias de hoje. O passado deste local paradisíaco é repleto de sangue, mortes e confrontos armados entre guerrilheiros e a família Castillo, que detém o poder. Em 2014, Antón Castillo é eleito presidente e promete um futuro próspero para o país com uma descoberta que promete revolucionar o tratamento contra o câncer: o viviro.

Produzir esta substância é uma tarefa ingrata porque ela requer a aplicação de um produto altamente tóxico nas plantações de tabaco de Yara, fazendo com que os agricultores sofram sequelas gravíssimas e até acabem morrendo, além de testes em seres humanos. Como as pessoas não querem se candidatar para trabalhar nisso, Antón decide fazer uma espécie de “sorteio”, utilizando cidadãos aleatórios em trabalho escravo, colocando as FND (Fuerzas Nacionales de Defensa) para controlar o país e instalar uma nova ditadura, assim como seu pai (alô, Jogos Vorazes).

Neste ínterim, Antón prepara seu filho, Diego, para seguir seus passos e tornar-se um sucessor tão sanguinário e brutal quanto ele próprio, mas o garoto não dá indícios de que queira seguir os passos do pai.

Com a situação de Yara entrando em completo caos e os militares espalhando o terror por meio de um regime fascista, os habitantes da ilha precisam escolher entre fugir do país, obedecer ao regime ou juntar-se à luta armada.

O jogador tem a opção de escolher entre jogar com um protagonista masculino ou feminino, sem que afete a história, assim como nos últimos jogos da Ubisoft. Como escolhi o masculino, irei me referir a ele com pronomes masculinos de agora em diante durante o texto.

Dani Rojas é um habitante de Yara e ex-militar que decide fugir do país e começar uma nova vida nos Estados Unidos, porém alguns acontecimentos o levam ao centro do confronto, obrigando-o a enfrentar o regime de Antón Castillo junto com o grupo guerrilheiro Libertad, que visa derrubar o governo e restaurar a paz na ilha.

“El presidente”, como é chamado no jogo e no marketing, é interpretado pelo brilhante ator Giancarlo Esposito, conhecido pelo papel de Gustavo Fring em Breaking Bad e Moff Gideon em The Mandalorian. Como era de se esperar, parece que o ator nasceu para o papel do ditador.

Por mais que ele não apareça tanto durante a história e interaja pouco diretamente com seu personagem, as cenas em que Antón aparecem são muito bem trabalhadas e exploram bem o lado sádico do ditador e a relação conturbada com seu filho, tornando-se meu vilão favorito da franquia Far Cry. Giancarlo soa extremamente intimidador e entrega uma atuação impecável. Pelos materiais de marketing, é notável o quanto o ator se divertiu ao fazer esse papel.

Algo que me surpreendeu é que Dani Rojas é bem desenvolvido ao longo da história, dando uma profundidade ao protagonista que nenhum outro jogo da série fez anteriormente. Inicialmente, você ficará com a impressão, propositalmente, de que aquela luta não é dele e que pouco importa o que aconteça. À medida que a narrativa avança, você perceberá que a luta de Dani ficará mais pessoal e ele “comprará a briga”.

Seus aliados odeiam Castillo, mas não irão juntar-se facilmente a você. Será necessário que você complete missões para conquistar a sua confiança e, também, conhecer mais de suas histórias. Cada um deles tem um motivo bem pessoal para odiar o ditador com todas as suas forças. Além da confiança, ganhar a amizade deles é uma experiência divertida pelo carisma de cada um.

A história principal pode ser terminada em aproximadamente 20 horas e completar tudo o que a ilha de Yara tem a oferecer pode chegar facilmente a 50 horas de jogo, a depender do seu estilo. O que não faltam são locais e segredos escondidos pelo mapa.

Tiroteios insanos e muitas explosões

Se você já jogou algum Far Cry anteriormente, sabe muito bem o que encontrará em sua jogabilidade. O jogo de ação em primeira pessoa coloca o jogador para enfrentar batalhões inteiros de inimigos em um mapa gigantesco, repleto de atividades extras, postos de controle para tomar e recursos úteis espalhados.

A graça de Far Cry é a liberdade do jogador ao invadir os locais e completar a maioria das missões do jeito que achar melhor. Se você quiser invadir um posto inimigo escondido nas sombras utilizando um arco e flecha, você pode. Se quiser pegar uma metralhadora pesada e chegar chutando a porta explodindo tudo o que aparecer pela frente, você também pode.

Confesso que faço parte do segundo time e me diverti bastante com uma novidade. O protagonista possui uma habilidade chamada Supremo, que funciona como um ataque especial absurdo que fica numa espécie de mochila nas costas do jogador. O meu favorito fazia Dani se abaixar e disparar uma barragem de mísseis inspirada nos armamentos de Tony Stark e seu traje.

Por diversas vezes, esse ataque salvou minha vida quando eu precisava derrubar um helicóptero ou destruir um tanque de guerra, mas não pense que irá usá-lo com frequência: ele necessita de um tempo para recarga.

A mudança mais profunda em relação aos outros jogos da série é que Far Cry 6 não utiliza mais a tradicional árvore de habilidades. As vantagens, itens e habilidades agora ficam atrelados a seu equipamento. Dani possui 5 espaços para sua armadura: capacete, tronco, mãos, calças e pés e seu supremo, a mochila com habilidades especiais, também conta com espaços que você poderá equipar suas habilidades e itens de acordo com as necessidades. Tudo isso é liberado com recursos que você encontra pelo jogo e não com a experiência.

Eu confesso que de início detestei essa mudança, mas ao avançar no jogo e liberar mais equipamentos acabei gostando da ideia, por permitir que eu personalizasse meu estilo de jogo, deixando do jeito que me agradasse ou a situação pedisse. Por exemplo, em uma missão eu necessitava queimar plantações e precisava de resistência às chamas. Utilizando os equipamentos corretos, consegui passar pela missão sem muito trabalho.

Liberar armas é uma tarefa satisfatória, já que o arsenal de Dani se torna uma verdadeira coleção, sem precisar descartar nenhuma arma. O jogador pode equipar apenas três armas principais e uma secundária. Não é mais possível obter armas dos inimigos mortos , fazendo com que você tenha que comprá-las ou obtê-las em baús espalhados pelo mapa.

Todas as armas podem ser customizadas com acessórios, como mira ou compensador de recuo, e habilidades especiais que permitem atirar nos inimigos e recuperar um pouco de vida. Além disso, há também itens cosméticos. Tudo isso faz com que a mecânica de personalização de armas em Far Cry 6 seja a mais robusta de toda a franquia. Como o jogo utiliza muito o conceito de “gambiarra”, você verá Dani improvisando para construir miras ou lasers para suas armas a partir de sucata.

Dani também contará com vários companheiros animais, que o ajudarão a distrair e eliminar inimigos, como o crocodilo de blusa e dente de ouro chamado Guapo e o cãozinho da raça Dachshund chamado Chorizo, que usa uma cadeira de rodas personalizada.

Para bem e para mal, Far Cry 6 herdou também alguns defeitos de seus antecessores. Dirigir é uma das atividades mais torturantes do jogo, devido aos controles ruins e imprecisos. Felizmente, o jogo agora conta com cavalos que possuem uma locomoção rápida e fluída, permitindo passar por obstáculos, tornando-se um dos meus meios favoritos para explorar o mapa.

Uma mecânica que sofreu um retrocesso foi a escalada e o ato de subir em determinadas áreas. Geralmente, as partes escaláveis podem ser facilmente vistas e o jogador conseguirá subir sem maiores problemas, mas conseguir identificá-las em alguns momentos é um tanto quanto confuso. O problema é notado principalmente durante tiroteios, em que o jogador tenta fugir de uma situação difícil e acaba tentando pular um muro e não consegue subir, ou pior: cai e fica preso entre o chão e algum objeto, tornando-se alvo fácil para os inimigos.

Far Cry 6 tem um mapa repleto de atividades, missões secundárias, coletáveis e itens espalhados. Uma das novidades é o gerenciamento de acampamentos, permitindo que novas áreas que trazem vantagens sejam instaladas. No primeiro acampamento, optei por instalar um arsenal e obtive acesso a armas melhores e logo em seguida, optei por uma rede de abrigos que me permitiu liberar viagens rápidas em boa parte do mapa.

O jogador poderá encontrar NPCs com uma exclamação na cabeça e ao interagir com eles, um ponto de interesse será revelado no mapa. Esta forma faz com que a experiência soe orgânica e não deixa o mapa poluído de ícones, algo que espero que se torne tendência nos futuros jogos.

O modo cooperativo permite que dois jogadores possam explorar Yara juntos, completando a campanha do início ou fim, porém a progressão apenas contará para o jogador que criou a partida. Há também as Operação Especiais que são missões exclusivas do modo cooperativo e irão requerer que a dupla trabalhe de forma coordenada para sair viva. Completar estas missões darão recompensas como itens exclusivos e uma moeda única, que permite comprar itens especiais.

E a rinha de galo?

Uma adição ao jogo que vem causando polêmica é a rinha de galo. O jogador poderá escolher seu galo para entrar numa arena e controlá-lo numa luta que lembra uma versão simplificada de Tekken, com o animal possuindo três tipos de ataques e uma esquiva, além de um “especial”.

Essa prática é extremamente tradicional em Cuba, local que inspirou a criação de Yara. Ela é brutal, abjeta e sádica, mas a Ubisoft a colocou de forma limpa e com um tom humorístico, abrandando a violência.

Mal há sangue nos confrontos e os galos não morrem, apenas “dormem” quando a barra de vida esgota. Eu compreendo a polêmica e que o assunto deve ser discutido, mas o pedido de remoção destas seções soa bem exagerado. Caso isso te ofenda, apenas ignore a atividade.

Ilha Paradisíaca

Far Cry 6 apenas conta com Ray Tracing no PC. Nos consoles da nova geração, a Ubisoft optou por fazer a experiência rodar em 4K e 60 quadros por segundo, sem outros tipos de opções gráficas.

Confesso que de início isso me fez torcer o nariz, mas a Dunia Engine é bem utilizada e consegue fazer com que Yara seja o mapa mais bonito e vasto de toda a franquia. No PlayStation 5, há a opção de instalar um pacote de texturas extras que deixam o jogo mais bonito e polido ao custo de 30 GB do seu SSD. Mesmo assim, Far Cry 6 não aparenta, graficamente, ser um jogo da nova geração, salvo pela sua performance e carregamentos rápidos.

Infelizmente, a decisão de sacrificar o Ray Tracing nos consoles para obter uma melhor performance não se justifica. Em alguns momentos, há quedas de quadros por segundo e o jogo sofre de screen tearing, ou seja, a tela não consegue reproduzir as imagens na mesma velocidade que a placa de vídeo as emite, fazendo com que haja uma pequena dessincronização na tela, separando-a em dois horizontalmente por um breve momento.

O jogo possui alguns bugs, principalmente relacionados à física, com a necessidade de um aprimoramento nas colisões, mas no geral, não incomodam e acabam sendo motivos para riso. Em um determinado momento, vi um cavalo voando após ser atingido por um carro e o NPC que o montava ficou girando no ar preso ao carro.

O Dual Sense é utilizado de forma discreta, com maior destaque durante a utilização de armas e ao conduzir os veículos, sem impressionar e passando uma sensação de potencial desperdiçado.

O que mais me incomodou em Far Cry 6 é o comportamento da inteligência artificial dos inimigos. A impressão de que tenho é de que ela não foi feita para agir no mapa mais aberto e sim, dentro das bases. Não é comum no mapa aberto você encontrar um inimigo e ele, ao em vez de engajar em combate ao te ver, prefira dar as costas e sair correndo procurando um local para se esconder.

Dentro das bases, os inimigos agem de forma mais inteligente e implacável e mesmo ainda sendo meio burros, conseguem dar trabalho ao jogador ao virem em bandos e utilizarem veículos. Os nossos aliados também costumam apresentar comportamentos estranhos e morrem das formas mais estúpidas possíveis.

A trilha sonora é criativa e conta com músicas famosas e também trilhas originais que embalam bem as cenas de ação. A dublagem brasileira faz um trabalho competente no geral e a localização é bem feita, sem perder as boas piadas.

A Ubisoft acerta em cheio ao trazer diversas opções de acessibilidade para pessoas que possuam algum tipo de deficiência auditiva, visual ou de coordenação.

Vale a pena?

Por mais que Far Cry 6 tenha como temática a revolução, ele não tem nenhuma pretensão de fazer isso com a franquia. Claramente, a intenção foi fazer um jogo que misturasse tudo o que deu certo nos jogos anteriores, com breves pitadas de novidade. O fantasma da repetição pode incomodar, mas a variedade de coisas para fazer e o mapa fascinante ajudam a manter o jogador interessado na aventura.

Caso você seja fã da série, tenho boas notícias: a Ubisoft usa a sua fórmula para produzir o melhor título da franquia até hoje. Mesmo herdando alguns defeitos dos outros jogos, o saldo sai bem positivo e consegue divertir bastante apresentando muita ação, um vilão interessante e uma narrativa simples, mas bem executada e emocionante.

*O jogo foi testado no PlayStation 5. Agradecemos a Drone Comunicação e Ubisoft Brasil por nos ceder uma cópia para análise.