Mas afinal, faz sentido termos um Batman assassino?

0
1315

Uma das discussões mais comuns entre os fãs do Batman é a questão dele matar ou não. Diversos roteiristas já passaram pelas revistas do personagem e a grande maioria estabeleceu o consenso de que o Cruzado Encapuzado não mata. Mas então, por que continuar com esse questionamento tão exaustivo?

Recentemente, o controverso diretor Zack Snyder, responsável pelo polarizador “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, se defendeu das críticas negativas ao seu trabalho na DC, afirmando que não havia nada de errado sua versão do Homem-Morcego matar bandidos e agir com extrema violência, pois isso o deixava mais maduro, adulto e sombrio. O cineasta não é o único que pensa assim, pois muitos de seus fãs defendem essa tese. A declaração, obviamente, fez ressurgir o debate acerca do Batman matar ou não.

Zack Snyder não foi o primeiro que teve a honra de descaracterizar o Batman. Muitos outros artistas já fizeram isso, embora nenhum tenha usado a desculpa de “amadurecimento” para fazer isso. Um dos exemplos mais notáveis dessa descaracterização é Batman: As Dez Noites da Besta, onde o KGBesta é deixado pra morrer de fome trancado pelo vigilante no esgoto da cidade. Porém, não é isso que acontece. Um ano depois, em Batman: Ano Três, o lendário Marv Wolfman fez questão de consertar o erro, revelando que o Batman ligou para a polícia após a luta, e informou onde o vilão estava.

Batman: Ano Três, por Marv Wolfman

Nos cinemas, Tim Burton também já inseriu um Batman assassino sem o menor pudor de matar. Entretanto, os filmes do cineasta estavam num outro contexto, onde o próprio disse e reiterou não ligar para os quadrinhos, além de ter sido feito em uma época onde adaptações de gibis não tinham menos da metade da seriedade, projeção e cuidado de hoje. O Batman dele mata porque ele não poderia se importar menos. Algo muito diferente do auto-proclamado fã de HQs Zack Snyder, que tentou desesperadamente conquistar alguma seriedade com isso e falhou. Obviamente, os dois longas de Burton sofreram críticas, não só por isso, mas por outra série de razões.

Na aclamadíssima versão idealizada por Christopher Nolan, a polêmica não parou de ser discutida. Num dos trechos finais de Batman Begins, o herói deixa Ra’s Al Ghul para morrer, o que não chega a ser o mais correto, pois ele nunca deixaria alguém nesta situação, mas ainda assim, o ponto da cena é que ele, tecnicamente, não matou o vilão. No filme seguinte, o Coringa tenta a todo custo corrompê-lo para fazer com que ele cruze seus limites, e provar que os dois são partes iguais, o que acaba não acontecendo.

Existem ainda os que buscam argumentar utilizando as primeiras HQs de meados da década de 30, onde Bruce Wayne fumava cachimbo, morava em Nova York e as histórias eram extremamente diferentes do padrão das contemporâneas. Era uma época de testes, onde a mitologia do personagem ainda nem sonhava em ver a sombra de Gotham. Ademais, um fato curioso é que, já nas primeiras revistas de 1940, ele já não matava mais, o que foi sendo estabelecendo pelos próximos 80 anos de publicações.

Batman #4 (1940)

O Batman não matar é o que impede ele de se tornar alguém que se vê no direito de fazer o que quiser. Esse limite também é o que justifica o confronto com outros vilões, como o Capuz Vermelho, e principalmente, o que o impede de tirar a vida do Coringa. Então, conforme o tempo ia passando e as histórias iam ficando cada vez mais sombrias, os quadrinistas mantiveram o mantra de não matar.

Zack Snyder declarou abertamente que seu Batman é inspirado na HQ clássica “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, um gibi de conhecimento obrigatório para qualquer fã ou admirador do personagem. E mais uma vez: nessa HQ, o Batman não mata. Apesar de ser um arco extremamente dark e agressivo, com o vigilante ainda mais velho, mais cansado e desiludido que o de Snyder, Frank Miller prezou ao máximo por esse conceito básico, tanto que, em vários momentos-chave, ele faz de tudo para evitar mortes e utiliza múltiplas técnicas para derrubar os vilões, mesmo havendo um quadro mal desenhado na HQ, onde fica implícito se o Batman atirou ou não em um dos bandidos.

Portanto, há de se concluir que o fator homicida não agrega nada ao BatAffleck, pelo contrário, além de deturpar, soa como uma solução rasa e demasiadamente pobre para tentar dar uma falsa profundidade ao personagem. Inclusive, isso arruína o conflito central de BvS, pois tira toda e qualquer moral que ele tenha para peitar o Superman pela destruição e mortes que o kryptoniano causou no final de “Homem de Aço”. Não bastando isso, boa parte de suas motivações em BvS são para causar mais mortes e destruição, só para pegar kryptonita e matar o Superman, algo que ele quer fazer possuído pela mesma mentalidade reacionária e xenofóbica de qualquer ser-humano sem muitos escrúpulos.

O ódio irracional contra o Superman pode encontrar o plot principal como contraponto, e ainda assim, não seria validado. No cerne, o Batman não mata porque é imaginado como uma desconstrução que passa longe de ser inédita. Ele mata simplesmente, pois Zack Snyder decidiu que isso faria o personagem ser mais legal e descolado. No final, é apenas violento sem propósito, sádico, burro, hipócrita, imaturo e muito cruel. Logo após ter a epifania milagrosa do “Martha!”, ele promete ao Superman que salvará Martha Kent, concretizando seu arco de redenção e voltando a fazer atos heroicos… mas isso acaba implicando em ainda mais matança generalizada e na interpretação do diretor do quadro mal desenhado de Cavaleiro das Trevas.

No filme, o Batman explode o KGBesta, mas para aliviar, o personagem faz uma piadinha com o fato de ser amigo do Superman.

Batman tendo que fazer um apelo ao Coringa para que ambos encontrem uma solução para o conflito antes que acabe da pior forma possível: Esse é o Batman do Alan Moore.

Num dos episódios da cultuada Liga da Justiça: Sem Limites, o Batman tem a oportunidade de impedir uma catástrofe se matar uma criança que já está à beira da morte, mas ao invés disso, o Morcego usa toda sua empatia e oferece um ombro amigo para consolar a garotinha e convencê-la a parar: Esse é o Batman do Bruce Timm.

Na HQ que serve de base para o BatAffleck, ele chega ao limite das provocações do Coringa e fica a um passo de matá-lo, mas desiste no último momento: Esse é o Batman do Frank Miller.

Quando o Coringa cai do edifício e começa a rir, achando que finalmente conseguiu desvirtuar o Batman, mas acaba sendo salvo por ele. Esse é o Batman do Christopher Nolan.

Não matar não faz dele só um herói mais respeitável, o transforma num personagem com mais camadas e interessante. O Batman, geralmente, é sombrio, dramático, e faz pose de durão. Mas no fundo, ele é um super-herói – e isso significa ter virtude, nunca ultrapassando os limites e se rendendo ao lado perverso. Seja através da interpretação de Bruce Timm, Alan Moore, Frank Miller, Christian Bale ou o saudoso Adam West. Ele nunca desiste, independente da dificuldade.

O Batman só existe para impedir que outras crianças vivenciem o horror que Bruce Wayne testemunhou na infância. Mas será que para isso ele precisa marcar criminosos e mandá-los direto para a morte numa prisão? Certamente não.

Um dos trechos mais icônicos de O Cavaleiro das Trevas, por Frank Miller

“Essa é a arma do inimigo. Mós não precisamos dela. Nós não iremos usá-las. Nossas armas são silenciosas – precisas. Em tempo, eu irei ensinar vocês como usá-las, vocês irão confiar em seus punhos e cérebros.”